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Aprovação do “Novo Ensino Médio” e recentes cortes orçamentários escancaram contradições na Educação Pública

Foto: Helena Dias/ Brasil de Fato (PE)


Nos últimos meses, o setor educacional brasileiro tem enfrentado uma crise sem precedentes, motivada por recentes cortes orçamentários e a implementação de reformas que acentuam a precarização do ensino. O governo anunciou novos contingenciamentos no orçamento da educação, ao mesmo tempo em que promove reformas significativas, como o “Novo Ensino Médio”, que promete “transformar” esta esfera da educação no Brasil. No entanto, a falta de recursos, aliada a essas mudanças, intensifica o desmonte da educação pública.


Em um esforço para equilibrar as contas públicas e adequá-las ao “Novo Arcabouço Fiscal”, atendendo às exigências do mercado, o governo federal anunciou novos cortes orçamentários que afetam a maior parte dos ministérios. Os recentes cortes foram motivados pela intenção de “zerar” o déficit das contas públicas deste ano. A equipe econômica do governo aponta para a desoneração fiscal como uma das principais razões para a decisão. O último Relatório Bimestral de Receitas e Despesas revelou uma previsão de déficit primário para 2024 de R$ 28,8 bilhões entre março e julho. Essa estimativa é um aumento em relação ao relatório anterior, divulgado em maio, que previa um déficit de R$ 14,5 bilhões. Em março, a previsão era de um déficit de R$ 9,3 bilhões.


O governo acredita que o contingenciamento atual, que representa o limite da margem de tolerância estabelecida pelas normas fiscais, é suficiente para lidar com o déficit. Este é o segundo congelamento de recursos realizado em 2024; o primeiro ocorreu em março, quando foram bloqueados R$ 2,9 bilhões de 13 ministérios, incluindo as pastas das Cidades, Transportes e Defesa. O impacto dos cortes é amplamente sentido por 30 dos 31 ministérios federais. Os Ministérios da Saúde e das Cidades são os mais afetados. Em seguida, vêm os Ministérios dos Transportes, com um corte de R$ 1,5 bilhão, e da Educação, com R$ 1,28 bilhão. O governo promete “reconsiderar” a extensão dos cortes se as estimativas de déficit melhorarem até o final do ano.


No âmbito da Educação, especialmente nas Instituições de Ensino Superior, incluindo universidades, institutos federais e cefets, o bloqueio de verbas compromete gravemente a qualidade do ensino, da pesquisa e das atividades de extensão. Durante a greve da educação, em cuja construção o ANDES-SN teve um papel fundamental, o governo anunciou um acréscimo de R$ 747 milhões no orçamento da Educação Federal, que estão longe de atender aos valores reais para o funcionamento adequado das instituições federais, estimados em cerca de R$ 4 bilhões, segundo a Andifes.


Além disso, o contingenciamento de verbas atinge diretamente o dia a dia de estudo e trabalho nas universidades. A redução dos recursos destinados ao custeio afeta diretamente a manutenção e operação dos equipamentos da instituição. Um exemplo disso é a necessidade de reparos em veículos, como carros e micro-ônibus, em diversos campi da Unipampa. Sem os recursos adequados, a manutenção e operação desses veículos ficam comprometidas, prejudicando a funcionalidade e os serviços oferecidos pela universidade. A falta de veículos não só impede a implementação eficaz da curricularização da extensão, como também inviabiliza as saídas de campo obrigatórias para diversos cursos. Além disso, limita o deslocamento de servidores e estudantes entre os campi, e dificulta a organização de eventos acadêmicos e atividades de ensino e pesquisa. 


João Victor Hasfeld Machado Oliveira, discente do campus Jaguarão e  representante discente, afirma que “Como aluno, percebo que a principal dificuldade causada pela redução orçamentária na universidade é a degradação dos materiais e da infraestrutura, que não tem sido adequadamente mantida. Por exemplo, a casa dos estudantes apresenta diversos quartos com problemas estruturais graves, alguns dos quais estão interditados. Além disso, a assistência estudantil é frequentemente considerada insuficiente por muitos alunos, o que agrava ainda mais a situação. Os cortes orçamentários não apenas intensificaram problemas antigos, mas também trouxeram novas complicações. Um exemplo é o micro-ônibus da instituição, que é um veículo antigo e recentemente apresentou uma falha na caixa de marcha, tornando-o inutilizável. Devido à falta de recursos, o reparo necessário não pode ser realizado, refletindo a precarização geral da infraestrutura da universidade.”


Ele destaca a preocupação dos alunos diante os cortes orçamentários que a instituição vem passando. “Os alunos estão particularmente preocupados com a dificuldade de manter a permanência na universidade, dado o estado deteriorado das condições atuais. Muitos temem que a falta de recursos possa impactar sua capacidade de continuar os estudos. Apesar dos esforços da faculdade para continuar funcionando normalmente, os cortes e a deterioração da infraestrutura apresentam grandes desafios. A manutenção e recuperação de recursos essenciais continuam sendo problemas críticos que afetam diretamente a qualidade do ambiente acadêmico. A consequência mais imediata e visível dos cortes orçamentários para a vida acadêmica é a deterioração dos materiais, veículos e da estrutura física da universidade. Embora menos visível, a desistência de alunos devido às condições precárias também é uma preocupação crescente.”


A Pró Reitoria de Planejamento, Administração e Infraestrutura (PROPLADI) da Unipampa comunicou que “o Decreto nº 12.120, de 30 de julho de 2024, trouxe mudanças significativas para o orçamento das universidades federais, incluindo uma redução de 18% nos limites de empenho dos recursos do Tesouro Nacional. O MEC recolheu R$ 10.010.757,78 da universidade, o que representa 18% dos créditos orçamentários deste  ano.” Ainda, segundo a PROPLADI, “há uma previsão de liberação parcial dos recursos bloqueados a partir de outubro, com 10% a serem liberados no início do mês e o restante até dezembro, dependendo da arrecadação federal. Até lá, as prioridades institucionais terão que ser revistas. Até o final de setembro, somente empenhos de emendas parlamentares, receita própria e crédito extraordinário poderão ser realizados. Empenhos já emitidos continuam válidos, mas novos empenhos só poderão ser feitos se forem de origem específica.” A Sesunipampa enviou ofício à Reitoria solicitando maiores detalhamentos sobre os impactos desse contingenciamento, mas até a publicação do texto não obteve retorno.


Na quinta-feira passada, 22 de agosto, o Ministério da Educação (MEC) anunciou a previsão orçamentária para as universidades federais em 2025. O orçamento estimado é de R$ 6,575 bilhões para o ensino superior público, um aumento de 4% em relação aos R$ 6,321 bilhões inicialmente previstos para 2024 no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). Esse ajuste considera, em parte, a correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é de 4,12%.


No entanto, o valor originalmente previsto para 2024 sofreu uma redução durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional, diminuindo para R$ 5,9 bilhões. Há preocupações de que o mesmo possa ocorrer com o novo PLOA, que será enviado ao Parlamento até o próximo dia 31. Bloqueios orçamentários e a reprogramação dos limites de empenho no MEC têm gerado grande apreensão entre as universidades federais. O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Marcus Melo, observou que muitos gestores enfrentam dificuldades para cumprir todos os compromissos financeiros até o final do ano.


A escassez de orçamento afeta profundamente áreas essenciais, como a assistência estudantil e a manutenção da infraestrutura nas universidades federais. Melo ressaltou que as restrições orçamentárias impactam todas as operações das instituições, incluindo o pagamento de contas de energia elétrica e contratos de terceirização. Ele também destacou os cortes sucessivos nos últimos anos que a educação pública tem sofrido.

 

A Auditoria Cidadã da Dívida, entidade historicamente apoiada pelo ANDES-SN, destaca que no Brasil, quase metade do orçamento é destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida, o que prejudica severamente os investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e proteção social. Nesse contexto de crise fiscal, a educação é um dos setores mais impactados. Além da escassez de recursos, persiste a pressão para implementar políticas neoliberais, como o “Novo Ensino Médio”, que têm contribuído para a precarização das escolas públicas.


Patrícia Ferreira, pedagoga na FURG e doutora em Educação pela UFPel, afirma que “Em julho, a reforma do Novo Ensino Médio passou por novas alterações, restaurando parcialmente as 2.400 horas de carga curricular para a formação geral e básica, como era antes das reformas de 2016. Com isso, disciplinas essenciais como português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza e ciências humanas foram reestabelecidas como obrigatórias. O espanhol, no entanto, continua sendo opcional. Embora tenha reduzido a carga horária dos itinerários formativos, a reforma não avançou além das mudanças anteriores, limitando-se a corrigir alguns retrocessos sem promover uma verdadeira inovação. Atualmente, o Brasil conta com um modelo de ensino médio profissionalizante eficiente, oferecido pelos Institutos Federais, que prepara os alunos tanto para o Enem quanto para o mercado de trabalho, com formação técnica de qualidade. Esses institutos são bem avaliados e oferecem educação de excelência, mas precisam de investimentos que não foram contemplados pela Lei nº 13.415. Essa lei ampliou a desigualdade entre as redes federal e estadual, deixando as escolas públicas estaduais em desvantagem. A Reforma do Ensino Médio, orientada por uma lógica neoliberal, visa alinhar a educação às demandas do mercado capitalista, sem garantir uma formação completa e abrangente.”


Ela salienta ainda que “o modelo atual não assegura uma base educacional sólida e propaga a precarização do ensino, especialmente nas escolas públicas. A flexibilização curricular e a eliminação de disciplinas fundamentais são algumas das críticas levantadas, que evidenciam a falta de compromisso com uma formação integral dos estudantes. Além disso, as promessas de melhorias financeiras não foram cumpridas, levando as escolas a operar com recursos mínimos e a adaptar-se precariamente. A reforma trouxe à tona questões como a autorização de profissionais sem licenciatura para lecionar, a expansão das parcerias público-privadas e a inclusão de componentes curriculares pouco definidos, que contribuem para uma formação educativa superficial e insuficiente. As recentes alterações no Novo Ensino Médio não resolveram os problemas estruturais do sistema educacional brasileiro e, ao invés de promover um avanço significativo, consolidaram as deficiências existentes, ampliando as desigualdades educacionais e limitando as oportunidades de formação para os alunos da rede pública”.


Guinter Tlaija Leipnitz, 1º Secretário da Sesunipampa, por sua vez, afirmou que “Os cortes orçamentários em instituições de ensino frequentemente provocam indignação, mas transformar essa indignação em mobilização efetiva é um desafio. Esses cortes afetam diretamente o cotidiano de trabalho e estudo, mas sua capacidade de gerar ação depende significativamente do trabalho de mobilização e politização promovido pelos sindicatos. No entanto, realizar esse trabalho é cada vez mais difícil, especialmente em um contexto onde muitas pessoas buscam soluções individuais para problemas que afetam a comunidade como um todo. A mobilização é essencial para melhorar a situação e garantir mais direitos, e sem ela, é impossível avançar na conquista de melhorias e na proteção dos direitos educacionais. A recente aprovação do Novo Ensino Médio ilustra essa dinâmica. Enquanto a nova legislação promete maior liberdade para os estudantes escolherem seus itinerários formativos, ela também enfraquece disciplinas essenciais, especialmente as áreas de humanas, e intensifica as dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas. A reforma surge em um cenário de sucateamento crescente das escolas estaduais, que lutam com falta de estrutura, escassez de professores e condições de trabalho precárias. Em contraste, a proposta do Novo Ensino Médio foca em uma abordagem mais utilitarista e voltada para o mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que deixa os professores sobrecarregados com novas demandas e responsabilidades.”


Reiterou que “Esses cortes orçamentários e a reforma do ensino médio refletem um padrão mais amplo de austeridade que prioriza a redução de gastos públicos, particularmente em áreas sociais como a educação. A mobilização sindical, que historicamente tem desempenhado um papel vital na defesa da educação pública, enfrenta um desafio significativo devido à pressão constante por cortes orçamentários e ao foco em políticas neoliberais que não garantem uma formação educacional de qualidade. Os impactos desses cortes são profundos e abrangem todas as esferas da vida acadêmica, desde a manutenção de infraestrutura e aquisição de materiais até o suporte financeiro essencial para a permanência dos estudantes. Sem uma resposta mobilizada e eficaz, a qualidade da educação e as condições de trabalho nas universidades continuarão a ser comprometidas.”


A crise atual da educação pública no Brasil reflete uma combinação complexa de cortes orçamentários e reformas curriculares que, juntas, ameaçam aprofundar as desigualdades e comprometer a qualidade do ensino. É crucial que políticas públicas sejam ajustadas para garantir a equidade e a eficácia no sistema educacional, assegurando que todos os alunos, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica, tenham acesso a uma educação de qualidade e livre das amarras impostas pelos interesses do mercado. 


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