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Campanha Primavera Democrática: A intervenção militar nas universidades ontem e hoje

Atualizado: 22 de set. de 2021

21 de setembro de 2021


Passeata com mais de 1,5 mil professores no dia 15 de abril de 1987 | Foto: Jornal do Estado


O Ato Institucional n° 1 foi publicado no dia 9 de abril de 1964, alguns dias após o golpe empresarial-militar, que ocorreu em 1° de abril do mesmo ano. O AI-1 continha ao menos 11 artigos e alguns deles diziam respeito, por exemplo, sobre suspender os direitos políticos ou afastar do serviço público todo aquele que pudesse ameaçar a segurança nacional. Educadores como Milton Santos, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire foram atingidos pelo decreto. Em 1964, Darcy exilou-se no Uruguai, mas teve que retornar ao Brasil onde foi preso em 1969. Em 1965, Anísio foi destituído reitor da Universidade de Brasília (UnB). Com Paulo Freire os desdobramentos foram semelhantes e em 1964 o seu projeto de alfabetização que acabara de iniciar fora interrompido. Milton Santos, antes do golpe, era Coordenador de Planejamento do Estado da Bahia. Sua prisão se deu em abril e somente foi divulgada em maio, causando indignação nacional e internacional. As ideias desses educadores se transformaram em ações práticas dentro das universidades, com centros e políticas educacionais com o objetivo de democratizar o acesso à educação, sobretudo através do tripé ensino, pesquisa e extensão.


Com o decorrer dos anos, greves e mobilizações de professores/as e estudantes denunciavam os abusos da ditadura tanto em relação ao acesso à educação, quanto às perseguições políticas e mudanças na estrutura das universidades que refletiam na grade curricular. Em 1966, a Universidade Federal do Paraná teve que firmar parcerias com a Escola Superior de Guerra para ministrar cursos nos campi da instituição, como consta em relatório da Comissão Nacional da Verdade.


O discurso modernizador era bastante presente, mas na verdade era uma armadilha para camuflar políticas de intervenção militar e extremamente ultrapassadas. A fim de conter a insatisfação, foram criados decretos para controle e vigilância. Em 1969, o Decreto 477 do Ato Institucional 5 (AI-5) proibia reuniões políticas dentro das universidades e criou as Assessorias de Segurança Nacional (ASI) para vigiar as aulas enquanto aconteciam.


Segundo o relatório Memórias da Ditadura, além disso, outras ações foram executadas. “A repressão aos docentes também se acirrou no pós 68. Um novo expurgo foi realizado na esteira do AI-5, com a aposentadoria compulsória ou demissão sumária de aproximadamente 140 professores universitários. Alguns deles eram figuras muito destacadas no cenário científico e acadêmico, como Mario Schenberg, Florestan Fernandes, José Leite Lopes, Luiz Hildebrando Pereira, Maria Yedda Linhares, entre outros. O impacto dessa nova onda de expurgos foi mais forte, pois os atingidos de 1969 ocupavam posições de maior notabilidade acadêmica, gerando enorme comoção no Brasil e no exterior”. Entre 1964 e 1985, a estimativa é que entre 800 e 1.000 pesquisadores/as foram perseguidos.


O governo Bolsonaro possui políticas semelhantes de militarização nas escolas e intervenção das instituições federais de ensino. A proposta do governo é implementar 216 escolas cívico-militares até o final deste ano, como cita o dossiê Militarização do governo Bolsonaro e Intervenção nas Instituições Federais de Ensino, do Andes-Sindicato Nacional. Essas escolas, segundo decreto 10.004 de 5 de setembro de 2019, devem seguir planos pedagógicos e práticas de ensino tais como as do Comando do Exército.


O Andes - Sindicato Nacional também denunciou a intervenção do governo Bolsonaro nas IFES na campanha da Semana de Lutas Contra as Intervenções e Ataques às IFES. Com o slogan “Reitor/a eleito/a, é Reitor/a empossado/a”, o sindicato fez um levantamento nacional apontando que “cerca de 20 instituições federais de ensino entre universidades, institutos e centros federais estão sob intervenção no país. O presidente da República, Jair Bolsonaro, por meio do Ministério da Educação (MEC), tem indicado, desde o ano passado, interventores para as reitorias das instituições, seja pela indicação de nomes que não estavam em primeiro na lista tríplice, ou pela indicação, de nomes que não participaram do processo de escolha nas instituições”.


Confira aqui a lista das instituições onde já houve intervenção na escolha de reitores/as.


Ao longo desses 2 anos de gestão de Bolsonaro, 5 nomes passaram pelo Ministério da Educação (MEC). O atual ministro é o Milton Ribeiro, alvo de diversas críticas por comentários capacitistas, homofóbicos, transfóbicos, por perseguição às questões do ENEM e por defender que a universidade é lugar para poucos. No entanto, antes dele outros Ministros não só proferiram preconceitos e equívocos, como também propuseram políticas antidemocráticas. O projeto Future-se foi apresentado e desenhado pelo ex-ministro da educação Abraham Weintraub e tinha como objetivo o financiamento privado em instituições federais, o que iria interferir diretamente na autonomia universitária, na grade curricular e, consequentemente, tornaria a educação um mecanismo para criação de lucro. Na mesma esteira dos interesses de mercado na educação, recentemente foi proposto o projeto Reuni Digital, que pretende expandir cursos EaD em meio a precariedade orçamentária e de ataque ao caráter público das universidades.


Somadas às políticas autoritárias estão as políticas conservadoras. A Proposta de Emenda à Constituição 32/2020, da Reforma Administrativa, é um exemplo de alteração em âmbito econômico e político. Como temos demonstrado ao longo de nossos materiais e matérias, a PEC 32 irá flexibilizar a forma de contratação de servidores/as públicos/as criando novas modalidades de contratação que não estão muito bem explicadas no texto do projeto. Ao que tudo indica, o acesso a cargos por indicação e a rotatividade de funcionários/às irá facilitar a corrupção e a admissão por interesse político. Com isso, além do controle sobre os/as trabalhadores/as, há um aprofundamento da precarização do emprego para servidores e servidoras públicas.


Em entrevista, o historiador Guinter Tlaija Leipnitz, professor do curso de História do Campus Jaguarão e diretor da Sesunipampa, fala sobre a estrutura das universidades na ditadura de 1964 e a relação com o Brasil no governo Bolsonaro.


Assessoria Sesunipampa: Como as universidades estavam estruturadas na época da ditadura empresarial-militar e quais foram as intervenções principais que os militares realizaram?


Guinter Tlaija Leipnitz: Quando houve o golpe que instaurou a ditadura, as universidades brasileiras estavam organizadas ainda a partir de estruturas consideradas antiquadas, datadas do início do século XX ou mesmo século XIX, a exemplo das “cátedras”, ocupadas por docentes com cargos vitalícios, o que não incentivava a pesquisa e acentuava a apatia de professores que ocupavam cargos inferiores. A ditadura, dentro do seu projeto de “modernização conservadora”, se apropriou de pautas defendidas por setores de movimentos sociais – como o movimento estudantil, determinando a substituição das cátedras pelo sistema de departamentos, além de criar um sistema de pós-graduação de nível nacional, planos de carreira e universalizar do regime de trabalho em tempo integral dos docentes das universidades públicas. Entretanto, a estrutura de mando dentro das instituições permaneceu intocada, mantendo-se a hegemonia docente em relação a técnicos/as e discentes, com peso majoritário nas instâncias colegiadas acadêmicas.


AS: Como se deram os processos de repressão com a comunidade universitária e principalmente docente, tais como aposentadorias compulsórias e demissões?

GTL: Logo após o golpe, e especialmente após o decreto do AI-5 (1968), houve a invasão de campi universitários (como a UnB) para a detenção de docentes e discentes. Aconteceram expurgos em algumas universidades, a partir de medidas de aposentadorias compulsórias e mesmo demissões. Esta é uma realidade que ainda está sendo aos poucos conhecida, a partir de esforços como da Comissão da Verdade do ANDES-SN e de algumas de suas seções sindicais. A repressão também interviu na escolha de reitores e atuou internamente nas universidades com agentes infiltrados, inclusive no movimento estudantil, além de promover uma vigilância mais sistemática a partir da criação das Assessorias de Segurança e Informação (ASI), em 1969, órgãos responsáveis por selecionar politicamente as contratações de funcionários, as concessões de bolsa e as autorizações para estágios no exterior, monitorando de perto a vida universitária. É importante ressaltar também que pessoas foram simplesmente cooptadas ou amordaçadas, a fim de colaborarem com o regime nas práticas repressivas, exercendo o papel de delação de seus colegas e/ou estudantes.


AS: O projeto de caráter discursivo modernizador da ditadura nas universidades pode ser caracterizado como privatista?

GTL: Ele pode sim ser caracterizado como privatista, pois seguiu diretrizes do acordo com MEC-USAID*, alinhado aos interesses norte-americanos, submetendo a função da universidade a metas de crescimento econômico orientado em favor do mercado. No entanto, há contradições, pois o governo ditatorial buscou expandir as vagas da universidade e investir no aumento da pesquisa e da pós-graduação. Essas contradições revelam a própria complexidade do que as universidades representavam para o projeto da ditadura, que via nos seus espaços terreno fértil para o que chamavam de “subversão”, ao mesmo tempo em que as colocavam no centro da estratégia de crescimento.


*Dois meses depois do golpe apoiado pelo governo norte-americano, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) firma acordos de assistência técnica com a United States Agency for International Development (Usaid). Mantido em segredo por quase dois anos, o conteúdo dos acordos MEC-Usaid foi a base de uma reforma do ensino voltada para as necessidades imediatas da economia e os interesses do mercado.


Estudantes em passeata em São Paulo contra os acordos MEC-Usaid, que permaneceram por dois anos em segredo. | Fonte: Memorial da Democracia


AS: A estrutura atual das universidades remete aos tempos da ditadura? Como em relação à formação dos departamentos, em que ficava mais fácil as práticas de controle sobre os docentes?

GTL: A estrutura departamental foi criação da ditadura, ao apropriar-se da demanda pelo fim das cátedras, empunhada por setores progressistas da sociedade brasileira interessados numa reforma da universidade. A relação de proporcionalidade entre docentes, técnicos/as e discentes nas instâncias colegiadas mantém, em muitas universidades, os critérios de antes da própria implantação do regime. Também alguns procedimentos disciplinares de controle sobre docentes e técnicos/as são oriundos da época da ditadura.


AS: Podemos traçar paralelo entre a política na ditadura sobre as universidades e a atual gestão autoritária do governo Bolsonaro? Pensando em lógica de mercado, autoritarismo, censura, intervenções, ataque à autonomia docente?

GTL: É possível traçar paralelos. Após a eleição de Jair Bolsonaro, antes mesmo de assumir o cargo, quadros do bolsonarismo elegeram de forma explícita as universidades como inimigas a serem combatidas, a partir da caricaturização ideológica da vida acadêmica, do trabalho docente e da diversidade cultural e intelectual no seio das instituições. Desde 2019, são muitos os casos em que a vontade soberana das comunidades acadêmicas nas eleições foi desrespeitada, nomeando-se reitores/as que não venceram seus pleitos. Em outras instituições federais de ensino, ocorreu intervenções no sentido explícito, como no CEFET-RJ. Ocupantes do cargo de Ministro da Educação – em especial Abraham Weintraub – proferiram diversos ataques às universidades e aos/às docentes. O governo tentou emplacar alguns projetos, como o “Future-se”, com claro viés privatista, e apoiou outros, com caráter de mordaça, na linha do “Escola Sem Partido''.


Confira aqui matéria anterior da Campanha Primavera Democrática


Acesse aqui os documentos mencionados no texto:


Assessoria SESUNIPAMPA

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