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Combate ao assédio impõe desafios à Unipampa e às instituições federais de ensino superior


O assédio sexual e moral nas universidades é um problema persistente que, embora não seja recente, tem recebido mais atenção nos últimos anos. No entanto, o número relativamente baixo de denúncias frequentemente não reflete a verdadeira extensão do problema. Muitas universidades ainda não têm políticas públicas e procedimentos institucionais claramente definidos para lidar com essas questões. A falta de estruturas adequadas de apoio e mecanismos nítidos para o tratamento das denúncias contribui para a escassez de registros e para a sensação de impunidade entre os agressores. Sem um sistema eficaz, as vítimas podem se sentir desencorajadas a relatar os abusos, o que perpetua a normalização desses comportamentos prejudiciais.


O assédio foi inicialmente denunciado pelos movimentos feministas, que destacaram como o machismo estrutura as relações de gênero em nossa sociedade. Essa problemática também se relaciona com as pautas dos coletivos LGBTQIAPN+, as lutas contra o racismo promovidas pela população negra e as reivindicações dos povos indígenas, evidenciando a interseccionalidade das questões de violência e discriminação. Esses movimentos ajudam a compreender o assédio como um fenômeno complexo que atravessa diversas esferas sociais e acadêmicas.


O Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que, em 2022, foram contabilizadas 6.114 denúncias de assédio contra mulheres no Brasil, representando uma denúncia a cada uma hora e 25 minutos. Essas denúncias abrangem assédio sexual, importunação sexual, perseguição, violência psicológica e a divulgação de imagens íntimas sem consentimento. Uma pesquisa realizada em 2020 pela doutora em Administração Bianca Spode Beltrame, envolvendo 44 instituições federais de ensino superior no Brasil, revelou que 70% dessas instituições não têm medidas específicas para combater o assédio. Além disso, a maioria delas não implementa programas de prevenção para enfrentar esses casos. A maior parte dos esforços para enfrentar essa questão recai sobre movimentos sociais e coletivos de mulheres, que assumem a responsabilidade de dar visibilidade aos casos e buscar suporte para as vítimas. 



O assédio pode se manifestar de várias formas, sendo as mais comuns o assédio moral e o assédio sexual. O assédio moral é caracterizado por abusos psicológicos repetitivos, nos quais uma pessoa é constantemente humilhada, desrespeitada ou atacada em sua dignidade. Existem também outras formas de assédio moral que são mais sutis e dificilmente passíveis de resposta direta. Essas formas se manifestam por meio de olhares de desdém, críticas indiretas, zombarias, propagação de rumores sobre a vítima, sarcasmo e outros comportamentos que visam desestabilizar, frequentemente em público. Além disso, pode haver discriminação, calúnias, difamações, injúrias, mentiras, e boatos relacionados a preferências pessoais, favores sexuais e outros aspectos. Embora o assédio moral não tenha uma definição específica na legislação brasileira, ele pode resultar em processos por danos morais quando o abuso psicológico é comprovado.


Já o assédio sexual definido pelo Artigo 126 do Código Penal, é qualquer ato que visa constranger alguém para obter favores ou vantagens sexuais, aproveitando-se da condição hierárquica superior do agressor. Este tipo de assédio inclui uma ampla gama de comportamentos, desde toques indesejados até comentários com conotação sexual. Na prática, o assédio sexual ocorre quando pessoas em posição de poder ultrapassam os limites para satisfazer seus desejos, desconsiderando a vontade da vítima. Não é necessário que haja contato físico para que o assédio sexual seja caracterizado. Comentários, expressões e intimidações verbais também são formas de agressão, que atacam e violam a intimidade da vítima. As vítimas de assédio sexual são predominantemente mulheres e enfrentam uma variedade de ações que causam constrangimento e intimidação. 


Os movimentos feministas apontam que essa relação hierárquica ela não se dá entre cargos ou funções, ela se dá na construção social das relações de gênero, então o agressor ele se coloca no lugar superior e se autoriza a praticar violência, a se colocar nesse lugar de subalternizar o outro, e isso é produzido pelo machismo estrutural dentro da sociedade. Ele se coloca nesse lugar de hierarquia. Essa hierarquia é produzida socialmente pelas relações de gênero.


Caroline de Araújo Lima, 1ª secretária do ANDES-SN, destaca que "tanto o assédio moral quanto o assédio sexual se originam de uma dinâmica de poder. Quando um indivíduo é constantemente constrangido, excluído do ambiente de trabalho ou tem suas atividades incessantemente questionadas, estamos diante de uma violência contínua. Essa forma de assédio pode ocorrer em diferentes níveis, seja horizontalmente entre colegas ou verticalmente entre superiores e subordinados. O importante é entender que o assédio não se limita a relações hierárquicas; ele pode ocorrer em qualquer contexto de poder. É essencial promover debates e fornecer materiais informativos, como boletins, que expliquem o que é o assédio moral e sexual, como identificá-los, como enfrentá-los e onde denunciar. Esses recursos são fundamentais para que trabalhadores, estudantes e docentes possam se proteger e receber o acolhimento adequado."


Ela ressalta ainda que "dentro das universidades, IFs, o combate ao assédio deve começar, precisa acontecer inicialmente com espaços formativos, e feito isso, é fundamental que as instituições desenvolvam um protocolo abrangente que estabeleça políticas claras para enfrentar o assédio. Isso inclui a criação de um ambiente adequado para receber denúncias, assegurar o devido acolhimento das vítimas e garantir uma investigação completa dos casos. Dependendo da gravidade do assédio, que pode configurar um crime, é crucial definir as punições apropriadas. Para garantir a efetividade dessas medidas, é imprescindível que o Conselho Universitário adote uma resolução formal que sancione e assegure a implementação dessas políticas.”


Em setembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que estabelece a demissão como punição para casos de assédio sexual em toda a administração pública federal. Antes dessa medida, a falta de tipificação específica do assédio como desvio funcional resultava na negligência ou em punições mais brandas para essas condutas.


Além disso, em abril do mesmo ano, o presidente sancionou um decreto que criou o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual na administração pública, abrangendo esferas federal, estadual e municipal. Este programa inclui campanhas educativas, divulgação de leis e canais de denúncia, e implementação de políticas de acolhimento e formação sobre assédio sexual e outras formas de violência sexual. O objetivo é orientar a atuação dos agentes públicos e assegurar um ambiente de trabalho mais seguro e respeitoso.


A coletânea "Panorama da Violência Contra Mulheres nas Universidades Brasileiras e Latino-Americanas", publicada em 2022, revela que mulheres, pessoas negras e LGBTs são os principais alvos de assédio. Os estudos documentam uma ampla gama de abusos, desde comentários constrangedores e desqualificação intelectual até crimes graves como estupros e feminicídios. Uma das principais barreiras à denúncia é o medo das vítimas de não serem acolhidas adequadamente e de sofrerem represálias, como o descrédito da denúncia ou impactos negativos em suas carreiras. 


A psicóloga Giordana Rodrigues Chaves, lotada na PRAEC (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários) da Unipampa, afirma que “é crucial intensificar as ações de conscientização e prevenção do assédio nas universidades". Segundo ela, é fundamental implementar políticas claras e contínuas, integrando essas práticas ao cotidiano acadêmico e abrangendo todas as áreas da instituição. Além de focar na prevenção, é essencial fomentar uma cultura de paz e promover os princípios dos direitos humanos. É necessário criar e monitorar políticas específicas contra violência e assédio, estabelecendo comissões e diretrizes precisas, e garantir a participação ativa de toda a comunidade acadêmica.”


Ressalta a importância ainda que “o assédio pode ter impactos psicológicos severos, como sentimentos de culpa, medo, depressão e até ideação suicida, além de causar problemas acadêmicos e sociais. Por isso, é crucial assegurar que as vítimas recebam o suporte necessário e que os processos de denúncia sejam seguros e eficazes. Capacitações e informações sobre como denunciar e os procedimentos de acolhimento devem ser amplamente divulgadas, garantindo um ambiente seguro e acolhedor para todos.”


No Brasil, o assédio sexual foi tipificado como crime em 2001, através do artigo 216-A do Código Penal. Este artigo, porém, restringia a definição do assédio sexual a situações específicas de relações de trabalho em que uma pessoa em posição de subordinação era pressionada a fornecer favores sexuais em troca de benefícios. Como resultado, diversas situações, como o assédio entre orientadores e estudantes, não se encaixavam adequadamente nesse artigo.


Em 2018, a inclusão do artigo 215-A no Código Penal trouxe um avanço significativo ao introduzir o conceito de importunação sexual, ampliando o alcance das situações de constrangimento sexual e permitindo a aplicação da lei em um espectro mais amplo de contextos, incluindo tanto ambientes de trabalho quanto de estudo.


Por outro lado, o assédio moral não possui uma legislação específica que defina claramente o seu alcance. No entanto, a jurisprudência trabalhista, tanto no setor público quanto no privado, tem reconhecido e aplicado o conceito de assédio moral em casos de constrangimento sistemático de um subordinado por sua chefia. Para enfrentar eficazmente tanto o assédio sexual quanto o moral, as universidades precisam estabelecer uma gestão interna que seja não apenas comprometida, mas também funcional e eficiente no combate a essas formas de violência. 


Embora muitas instituições tenham criado comitês e órgãos internos para receber denúncias de assédio, ainda há uma falta de debate aprofundado nos meios acadêmicos sobre práticas e resultados que levem a soluções eficazes. Além disso, esses comitês frequentemente enfrentam a escassez de técnicos especializados suficientes para lidar com as denúncias e carecem de protocolos claramente definidos. A falta de dados adequados sobre a ocorrência desses tipos de violência também impede um monitoramento eficaz e a avaliação da efetividade das políticas implementadas.


Caroline Lima, enfatiza que os sindicatos têm um papel fundamental na fiscalização e promoção de políticas contra o assédio moral e sexual nas universidades. Eles devem exigir a investigação adequada dos casos e a implementação de políticas eficazes, além de oferecer apoio e formação. Recentemente, os sindicatos têm ajudado a reeducar as universidades, forçando uma reavaliação das práticas e desnaturalizando a violência. Embora não sejam responsáveis por apurar as denúncias, os sindicatos devem pressionar as administrações para que estabeleçam e implementem políticas adequadas e discutam essas questões nas instâncias decisórias das universidades. A luta dos sindicatos contra o assédio também é uma luta contra todas as formas de discriminação e violência.



Suzana Cavalheiro de Jesus, presidenta da SESUNIPAMPA, destaca que: “dentro do sindicato buscamos construir espaços de formação, acolhimento e orientação à comunidade acadêmica. Combatemos o esvaziamento da pauta do assédio e lutamos para que esta temática seja tratada em âmbito administrativo. Nos preocupa o número de relatos que recebemos sobre perseguição política na instituição, mas também é preocupante o tipo de formação humana que se está construindo em ambientes que parecem normalizar acusações compulsórias, a falta de protocolos para combater violências cotidianas, o uso indiscriminado de processos administrativos disciplinares e o esvaziamento de lutas sociais históricas. É uma temática, portanto, interseccional e dentro do ANDES-SN é debatido no Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para as Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual.”


Segundo ela, um dos grandes desafios de se avançar no combate ao assédio nas universidades é a postura de grupos que poderíamos situar dentro da chamada “Nova Direita”, bem como grupos neoconservadores, que apresentam resistência em consolidar processos democráticos dentro das instituições educacionais. São formas de condução do debate que fazem uso das terminologias e discussões dos movimentos sociais para disputar pautas e dificultar o combate a esse tipo de violência. Com frequência tenta-se esvaziar a complexidade dos cenários que configuram assédio, situando as denúncias no campo da dúvida, expondo vítimas, causando processos de revitimização e conduzindo as apurações de forma a preservar valores patriarcais e hierárquicos. 


Com isso, dificulta-se que a temática seja tratada de forma séria, por meio de processos institucionalizados no campo administrativo. Não havendo protocolos de denúncia, apuração e resolução bem estabelecidos, o assédio pode se tornar uma arena de disputa narrativa que cria todo o tipo de acusação e denuncismo, inclusive por parte de agressores. Quando isso acontece, as consequências são muito graves. Corre-se o risco de deixar de prestar acolhimento e apoio às vítimas; desresponsabiliza-se a instituição de seu compromisso social de combater todas as formas de violência; cria-se um ambiente hostil, com argumentos inconsistentes que podem resultar em acusações cotidianas e perseguições políticas; e cria-se uma cultura institucional que ensina à comunidade acadêmica que conflitos são resolvidos com base em processos administrativos ou jurídicos, que pretendem desqualificar seus pares e terceirizar a resolução de questões que são parte do cotidiano e que deveriam ser resolvidas dentro da dinâmica do serviço público.


A psicóloga Giordana Chaves afirma que “o fluxo de denúncias é um ponto crítico no enfrentamento da violência na Unipampa. A Comissão Permanente de Promoção da Cultura da Paz já identificou essa questão no ano passado e está trabalhando para estabelecer um processo mais claro e específico. Atualmente, o fluxo de procedimentos não está totalmente documentado ou publicado em um único local. Cada setor da universidade define suas próprias etapas, mas não há um guia abrangente disponível que detalhe todo o processo desde a denúncia até a resolução. Em casos de violência ou assédio confirmados, a chefia da unidade deve tomar as medidas adequadas, que incluem a criação de uma comissão para averiguação e a condução de procedimentos pelo Comitê de Ética e o Comitê de Sanção, entre outros.”


É essencial a implementação de políticas públicas eficazes que abordem tanto a prevenção quanto o enfrentamento das denúncias de assédio sexual e moral, bem como o desenvolvimento de mecanismos adequados para o acolhimento, proteção e reparação das vítimas, assim como de investigação imparcial dos fatos, garantindo também a ampla defesa. As diretrizes e resoluções sobre esse assunto devem ser formuladas com a participação ativa da comunidade acadêmica, para garantir que atendam às necessidades das pessoas vulneráveis e impeçam que os agressores se sintam protegidos pelo poder que detêm socialmente ou no ambiente acadêmico.


A luta contra ao assédio, em todas as suas dimensões, tem sido uma pauta importante para a luta sindical. O ANDES-SN tem constituído nos seus eventos deliberativos comissões de enfrentamento ao assédio desde o 62º Conad, realizado em Niterói, em 2017, como forma de combater essas práticas no âmbito do movimento sindical, de forma a dar os encaminhamentos necessários em termos administrativos, mas especialmente, avançar pedagogicamente na construção política da superação dessas atitudes. Especialmente a partir do GTPCEGDS, o sindicato tem proposto campanhas, promovido atividades e produzido cartilhas que visam ao fortalecimento de uma cultura política contra o assédio. Esses materiais podem ser acessados no link https://issuu.com/andessn/docs/imp-doc-1669293546.


 

 

 

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