A educação superior no Brasil enfrenta um momento crítico com a redução drástica de verbas públicas destinadas às instituições federais e estaduais de ensino. Em meio a cortes orçamentários que se intensificam ano após ano, a comunidade acadêmica sofre com a falta de recursos, sendo a assistência estudantil um dos setores mais gravemente atingidos. A crise coloca em risco o acesso e a permanência dos estudantes universitários, principalmente a vida dos estudantes de baixa renda, ameaçando o futuro de muitos jovens que veem no ensino superior uma oportunidade de mudança de vida.
A assistência estudantil é fundamental para garantir que estudantes de diferentes origens sociais possam ingressar e permanecer na universidade. Programas de bolsas, auxílios para alimentação, moradia e transporte são essenciais para a equidade no acesso ao ensino superior. No entanto, a atual crise financeira tem colocado esses programas em risco, expondo uma realidade de abandono e desamparo.
Com o orçamento reduzido, muitas universidades se viram obrigadas a cortar bolsas de estudo. Programas como o PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil) foram severamente impactados, resultando na diminuição ou até na suspensão de auxílios que cobrem alimentação, transporte e moradia. Embora tenha sido iniciado com um investimento inicial significativo de R$125,3 milhões em seu primeiro ano, desde sua criação em 2008, o PNAES enfrenta desafios crescentes que têm afetado sua eficácia e alcance ao longo dos anos.
Foram retomadas em 2023 - após quatro anos de desmonte das universidades públicas - as políticas de financiamento, assistência e permanência para as instituições de ensino superior no Brasil. Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou um repasse de R$ 2,44 bilhões para o fortalecimento do ensino superior, profissional e tecnológico no país, sendo que, dessa quantia, 70% (R$ 1,7 bilhão) foi destinado à recomposição direta das finanças, com aproximadamente R$ 1,32 bilhão para universidades e R$ 388 milhões para institutos federais. Os outros R$730 milhões foram direcionados para atender obras e ações deixadas sem cobertura pela gestão anterior, incluindo residência médica, multiprofissional e bolsas de permanência.
Apesar dos avanços, ainda se expressa preocupação quanto à situação atual. A recomposição ainda é insuficiente, ficando muito aquém dos necessários R$8,5 bilhões estimados pela própria Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), a partir de estudos técnicos. Ou seja, o orçamento atual está muito abaixo do mínimo necessário, ainda não alcançando os níveis de 2016, defendidos pelo ANDES-SN como parâmetro para a recomposição, e mesmo se fosse equivalente, ainda estaria defasado devido à inflação. Para reconstruir décadas de avanços provenientes da luta dos movimentos sociais e estudantis, serão necessários mais tempo, recursos e políticas adequadas.
A estudante Andresa Xavier compartilhou sua jornada marcada pela escassez de recursos financeiros: "Quando entrei na primeira graduação em 2016, a falta de recurso foi um dos meus desafios. Minha família não teria/têm condições de me ajudar financeiramente, isso era/é algo que tenho conhecimento antes mesmo da decisão de vir a Bagé”. Vindo de São Paulo para o Rio Grande do Sul estudar na UNIPAMPA. Andresa contou com o seguro-desemprego, coincidindo com o começo do pagamento do auxílio que ocorreu um mês depois da última parcela do seguro. Sua turma de Letras iniciou com mais de 30 alunos, mas poucos se formaram, evidenciando a difícil realidade da evasão acadêmica. “Anos depois percebi como é sintomático essa realidade. Isso não significa dizer diretamente que todas as evasões estão relacionadas a fatores econômicos, acho importante pensarmos nas dificuldades pedagógicas e mentais também, mas muitas delas foram por falta de recursos financeiros. Pessoas próximas e amigos com os quais pude partilhar esse processo de acesso ao espaço do ensino superior, mas a impossibilidade de permanência. Ocupar o espaço acadêmico demanda uma série de reflexões sobre o que isso significa. Pois a falta de recurso econômico é uma das diversas dificuldades encontradas nestes espaços. Neste sentido penso que a assistência estudantil não pode ser pensada apenas em termos financeiros, também é necessário pensar em acompanhamentos pedagógicos e psicológicos".
Atividade de mobilização no Campus São Gabriel
A falta de suporte financeiro está diretamente ligada ao aumento da evasão escolar. Estudantes que não conseguem arcar com as despesas básicas acabam abandonando a universidade. O índice de evasão no ensino superior no Brasil atingiu 57,2%, abrangendo tanto instituições públicas quanto privadas, e modalidades presenciais e a distância (EaD). Esses dados alarmantes foram divulgados pelo Instituto Semesp no lançamento do Mapa do Ensino Superior no Brasil em 2024, no dia 8 de maio de 2024 em São Paulo. O estudo evidencia uma preocupação crescente e destaca a urgência da implementação de políticas públicas que garantam o acesso e a permanência dos estudantes nas universidades.
De acordo com Denise Imbroisi, decana de Planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional da Universidade de Brasília (UnB), o orçamento para 2024 apresenta uma redução significativa, com recursos condicionados para a assistência estudantil. Estima-se um déficit de R$ 25,7 milhões para cobrir todas as despesas planejadas. Em uma reunião com o presidente Lula realizada no mês de abril, Márcia Abrahão Moura, diretora da Andifes, enfatizou a importância da valorização dos servidores técnico-administrativos em educação e docentes, bem como da retomada das políticas de assistência estudantil. Ela também destacou a necessidade de autonomia das universidades federais, citando o exemplo das instituições em São Paulo, onde há estabilidade orçamentária anual e garantia constitucional na nomeação de reitores.
O Senado votará nesta terça-feira (11) a Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). O PL 5.395/2023, que cria o PNAES, visa garantir a permanência de estudantes no ensino superior, técnico, científico ou tecnológico, incluindo a criação da Bolsa Permanência de pelo menos R$700 para estudantes de ensino superior sem outras bolsas governamentais. Apresentado por Dorinha Seabra, o projeto destaca a necessidade de apoiar estudantes de baixa renda na conclusão de seus cursos. A proposta foi aprovada pela Comissão de Educação e, se aprovada no plenário, segue para sanção presidencial. Bolsas para indígenas e quilombolas serão em dobro, e as instituições deverão reportar dados de implementação ao Sistema Nacional de Informações e de Controle, sob risco de suspensão de recursos.
O governo federal já possui o PNAES, instituído pelo Decreto 7.234/10. O novo projeto de lei visa transformar esse programa em uma política mais ampla. O Pnaes atual oferece auxílios para moradia, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico a estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salários mínimos, com a execução dos recursos a cargo das instituições de ensino. O projeto introduz o Programa de Assistência Estudantil (PAE), que fornecerá benefícios diretos aos estudantes em áreas como moradia, alimentação, transporte e saúde. As instituições federais terão autonomia para definir critérios de seleção, documentação necessária, requisitos adicionais e mecanismos de acompanhamento e avaliação.
Pelo projeto, o PNAES será articulado com outras políticas sociais da União, especialmente as de transferência de renda, e o Poder Executivo ficará autorizado a instituir e conceder benefício permanência na educação superior a famílias de baixa renda cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo federal (CadÚnico) que tenham dependentes matriculados em cursos de graduação das instituições de ensino superior, nos termos do regulamento. A Pnae estabelece planos de ação detalhados, divididos em nove programas.
A assistente social Tônia Ribeiro da Silva, que trabalha junto ao Núcleo de Desenvolvimento Educacional (NuDe) na Unipampa Campus Jaguarão afirma que “a verba é destinada a programas principais como auxílios para moradia, alimentação, transporte e creche, além da manutenção dos restaurantes universitários (RUs). As moradias estudantis também são financiadas por esse orçamento. Outros programas menores incluem auxílios para participação em eventos e saúde emergencial. Os critérios para seleção de beneficiários baseiam-se na renda familiar per capita, com um limite de até 1,5 salário mínimo. Assistentes sociais avaliam a situação socioeconômica das famílias para determinar a elegibilidade.”
Acrescenta ainda que “a assistência estudantil é crucial para a permanência dos alunos, especialmente os de fora do município, ao oferecer moradia e alimentação, entre outros suportes. Embora os auxílios não cubram todos os gastos dos alunos, eles complementam a renda e ajudam a reduzir desigualdades, promovendo a inclusão social. A falta de atualização dos valores dos auxílios devido a cortes orçamentários é um desafio, assim como a necessidade de maior investimento para manutenção e expansão dos benefícios. A esperança é que, com a troca de governo, novos investimentos possam revitalizar a política de assistência estudantil e promover maior inclusão e emancipação social.”
A SESUNIPAMPA também compreende que a situação é preocupante, sendo uma assistência estudantil fortalecida elemento central para o bom funcionamento da universidade. Segundo o 2º tesoureiro Caiuá Cardoso Al-Alam, "atualmente, a assistência estudantil na Unipampa está em uma situação muito precária devido ao baixo orçamento. A universidade tem usado verbas de custeio para cobrir as necessidades mínimas de assistência estudantil, já que o valor recebido do PNAES é insuficiente. Esse redirecionamento de recursos agrava ainda mais a precarização da instituição. A distribuição fragmentada desses auxílios resulta em valores pequenos para os estudantes, comprometendo sua qualidade de vida e contribuindo para a alta evasão. A evasão na Universidade Federal do Pampa é grande por diferentes motivos, mas o principal deles é porque não há como os estudantes permanecerem com mínima qualidade de vida para frequentarem os seus cursos na Unipampa. Em resumo, a falta de uma assistência estudantil adequada é a principal razão para a alta evasão na Unipampa, pois os estudantes não conseguem se manter nas cidades dos campi com os recursos limitados disponíveis".
No mês passado, a SESUNIPAMPA encaminhou um questionamento à Reitoria, solicitando um maior detalhamento das verbas destinadas à assistência estudantil, especialmente no que concerne ao PNAES, mas até o momento não teve retorno.
O futuro da educação no Brasil depende, em grande parte, de como essa crise orçamentária será enfrentada. A garantia de assistência estudantil é essencial não apenas para o sucesso individual dos estudantes, mas também para o desenvolvimento social e econômico do país. É urgente que o governo e a sociedade reconheçam essa necessidade e trabalhem juntos para assegurar que todos os jovens tenham acesso a uma educação de qualidade e às condições necessárias para concluir seus estudos. As universidades federais são reconhecidas por sua excelência no ensino superior brasileiro, com processos de seleção rigorosos para alunos e professores, como atestam os dados do Índice Geral de Cursos (IGC) 2022, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), apontando que 72% das instituições com nota máxima são federais. No entanto, a supervisora do escritório do Dieese no DF, Mariel Angeli Lopes, alerta que problemas de financiamento comprometem a capacidade dessas instituições de produzir pesquisa e formar profissionais para o mercado de trabalho. A falta de recursos também afeta diretamente a capacidade de publicação relevante e a realização de pesquisas de ponta devido à falta de laboratórios e bolsas para discentes.
É imperativo que se reconheça a importância das políticas públicas para garantir acesso e permanência dos estudantes, não apenas como uma questão de justiça social, mas como um investimento estratégico para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. A indispensável recomposição do orçamento é um dos principais motivos pelo qual as categorias de trabalhadores que atuam na educação federal encontram-se em greve. As medidas anunciadas pelo presidente Lula na segunda-feira 10 de junho, de expansão das universidades e acréscimos nas verbas de custeio, são frutos da pressão do movimento grevista, mas permanecem distantes de sanar o contexto sufocante que as instituições federais enfrentam. É mais um atestado de que a defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade contra o processo de mercantilização somente se dá a partir da organização coletiva, e que o ANDES-SN e demais entidades sindicais têm um papel central nisso.
Fontes: Agência Câmara de Notícias, Agência Senado.
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