Em meio à crescente preocupação com a crise climática, a UNIPAMPA enfrenta uma batalha adicional: a falta de repasse por parte do governo federal de recursos financeiros que impactam diretamente a assistência estudantil e a infraestrutura, tornando-a mais vulnerável a eventos extremos. Esta situação expõe os estudantes e a comunidade acadêmica a desafios ainda maiores durante esses períodos de calamidade pública.
A assistência estudantil, crucial para garantir a igualdade de oportunidades e a permanência dos alunos, tem sido gravemente comprometida devido à escassez de orçamento. Bolsas de estudo, auxílio-alimentação, transporte e moradia estão entre os programas que correm o risco de serem reduzidos ou eliminados, impactando diretamente milhares de estudantes de baixa renda que dependem desses apoios para continuar seus estudos.
“Uma das questões que mais têm sido discutidas no meio acadêmico tem sido a questão da evasão. Mas para contextualizarmos esta questão, precisamos ir além da emergência climática. Em um quadro já caótico de sobrevivência da universidade, a instituição não tem condições de lidar com as carências afetivas e objetivas de manutenção das condições mínimas para que estes estudantes carentes remanescentes possam ser atendidos com eficiência e eficácia. A verba para assistência estudantil é insuficiente para os custos aumentados, principalmente, de deslocamento e alimentação. Muitos não têm recursos para custear contas de internet, equipamentos de informática, para flexibilizar as compensações de carga horária de forma assíncrona. E verbas para que a universidade disponibilize contas de internet e equipamentos não existem. Ou seja, urge discutir não só a crise climática, mas o modelo de universidade que foi escancarado nas suas fragilidades pela crise climática”, afirma Rafael Cruz, 2º Vice-Presidente da SESUNIPAMPA.
De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), seria imprescindível um aumento de R$ 2,5 bilhões no orçamento discricionário das universidades federais, além de R$ 1,656 bilhão para os institutos federais e mais R$ 200 milhões para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), para que as instituições pudessem operar adequadamente em 2024.
A nota ressalta que, nos últimos anos, as universidades têm enfrentado uma realidade de redução contínua dos recursos destinados ao investimento e ao custeio das atividades, mesmo diante do aumento do número de instituições e de alunos matriculados. Entre 2010 e 2021, por exemplo, houve uma redução de 37% no orçamento destinado ao custeio, que abrange despesas como pagamento de bolsas e serviços básicos como água, luz, limpeza e segurança. Além disso, os recursos para investimentos, destinados à conclusão de obras e expansão, foram reduzidos em cerca de 70% no mesmo período.
Mais de 70% dos estudantes das universidades federais são de baixa renda, conforme revelado por dados da Pesquisa Nacional do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das instituições públicas de ensino, conduzida em 2018 e divulgada em 2019. De acordo com esse levantamento, 70,2% dos graduandos provêm de famílias com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, sendo que 26% pertencem a famílias cuja renda é de meio salário mínimo. Além do impacto significativo para milhões de estudantes que dependem dos recursos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) para continuar na universidade, a crise climática está projetada para gerar novas demandas na assistência estudantil.
Em resposta à solicitação de informações sobre o orçamento da universidade em 2024, a reitoria da Unipampa destaca que o orçamento deste ano foi inferior ao recebido em 2023. Além disso, o corrente ano iniciou-se com déficit de aproximadamente 2,3 milhões relacionados a contratos terceirizados, os quais foram regularizados com o orçamento deste ano. Isso impacta sobremaneira o orçamento da instituição, inviabilizando uma série de ações planejadas pelas pró-reitorias, além da manutenção das atividades básicas de limpeza, manutenção, vigilância, assistência estudantil, entre outras, essenciais para a continuidade das atividades acadêmicas. Em face disso, também é previsto o encerramento deste ano com déficit. Segundo a gestão da Universidade, está sendo regularmente solicitado ao MEC, bem como aos parlamentares, auxílio na busca de maior crédito orçamentário a fim de garantir plenamente a manutenção da instituição.
O Congresso aprovou em 2024 um aumento recorde nos recursos destinados a emendas parlamentares e ao fundo eleitoral, em contrapartida, reduziu significativamente o financiamento das universidades. O montante aprovado foi de R$ 5,9 bilhões, representando uma diminuição de R$ 310,9 milhões em relação ao orçamento de 2023, fixado em R$ 6,2 bilhões. Na época, essa quantia já era considerada insuficiente para cobrir as despesas operacionais das instituições de ensino superior, incluindo pagamentos de água, luz, limpeza, vigilância, além de garantir bolsas e auxílios aos estudantes.
Cabe ressaltar o limite da política de se “remediar” a falta do repasse de verbas do orçamento com valores de emendas parlamentares, uma vez que reforça a prática de “toma lá dá cá”, submetendo os interesses da universidade pública a lógicas de gabinete. É fundamental a recomposição de um orçamento estruturado.
Valéria Branco, estudante do campus Dom Pedrito, afirmou que “o aumento significativo no Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) não foi repassado adequadamente para os Programas de Permanência (PP) da UNIPAMPA, deixando-os defasados e insuficientes para a manutenção dos alunos, o que contribui para um aumento na evasão. A falta de recursos dificulta a permanência dos estudantes na universidade, afetando a acessibilidade à assistência estudantil, como bolsas de gestão, pesquisa e extensão, essenciais para a formação dos alunos. Muitos alunos enfrentam privações alimentares, pois nem todos têm acesso a refeições subsidiadas pela universidade, embora o Núcleo de Desenvolvimento Estudantil (Nude) do campus forneça cestas básicas. Sem recursos suficientes, acabam por comprometer as oportunidades dos alunos de melhorarem seus currículos e continuarem os estudos em pós-graduação. A falta de tutores compromete a formação acadêmica e a vida universitária, destacando a necessidade de pressionar o governo para a recomposição do orçamento contingenciado. Diante da crise de evasão, causada pelo sucateamento da educação, é essencial priorizar os alunos, mesmo em tempos de escassez de recursos.”
Além disso, a crise climática agrava problemas estruturais já existentes na UNIPAMPA, tornando-a ainda mais vulnerável. Denúncias recentes ressaltam essa vulnerabilidade. No campus Caçapava do Sul, são frequentes as goteiras, o andar inferior do prédio administrativo, incluindo o auditório, diretório acadêmico de estudantes e o saguão, fica inundado durante as chuvas. No campus de Jaguarão, o prédio principal apresenta um sério problema estrutural no teto, agravado ao longo dos últimos anos, resultando em goteiras persistentes, especialmente no saguão de entrada. Nas salas de aula, também surgiram goteiras durante chuvas intensas, impedindo sua utilização e representando um perigo de desabamento para quem transita por essas áreas. Em São Gabriel, a deficiência no sistema de transporte público - precariamente ofertado pela prefeitura, mas que poderia ser disponibilizado pela própria universidade - muitas vezes dificulta a presença de servidores e estudantes em compromissos presenciais. A situação é ainda mais crítica devido à localização da sede da Unipampa, às margens da BR 290, fora dos limites urbanos da cidade, exigindo um serviço de transporte essencial para a comunidade acadêmica.
Sala de aula de Jaguarão atingida pelas chuvas
Saguão do campus Jaguarão alargado devido as últimas chuvas
Saguão do campus Jaguarão em péssimo estado
A falta de recursos também limita a capacidade da universidade de implementar políticas públicas de emergência diante de calamidades climáticas, como o fornecimento de alimentação e moradia adequadas. Estratégias emergenciais para garantir a segurança e o apoio aos estudantes incluem o aumento do número e valor das bolsas de permanência, a oferta de moradias para estudantes em vulnerabilidade econômica e social, o transporte para os campi, atividades coletivas de assistência psicológica e o envolvimento dos estudantes em ações emergenciais de pesquisa e extensão relacionadas à gestão de riscos em eventos extremos. Além disso, é essencial promover a integração de políticas públicas em todas as fases de prevenção, resposta e mitigação de impactos socioambientais, com lideranças capazes de fortalecer os diálogos e buscar consensos para enfrentar essas situações, destacando o papel político institucional das universidades nesse processo.
Prédio do Campus São Gabriel com problemas na fundação
Evelton Machado Ferreira, técnico e atualmente Coordenador Administrativo do campus Caçapava do Sul, afirmou que os impactos do baixo orçamento na manutenção da frota de veículos do campus e nas atividades de trabalho de campo curriculares afeta principalmente os cursos que dependem de saídas de campo. A idade avançada dos veículos demanda muita manutenção, mas o orçamento limitado dificulta de serem realizadas. O desafio é conciliar a demanda dos cursos com o orçamento disponível para abastecimento e manutenção. A falta de recursos resulta em prejuízos ao ensino, pois os veículos não são liberados para atividades e não há como renovar a frota. Isso impacta diretamente os alunos, os docentes e a equipe responsável pela frota, causando retrabalho e reprogramação de atividades. Embora haja diálogo com os professores para buscar alternativas, isso pode prejudicar o ensino.
Auditório alagado do campus Caçapava do Sul
Saguão do campus Caçapava do Sul coberto pelas águas
Diante desse cenário preocupante, os apelos por uma resposta eficaz e urgente são cada vez mais insistentes. É fundamental que o governo federal e as autoridades competentes reconheçam a importância de investir adequadamente na infraestrutura e na assistência estudantil das universidades públicas, especialmente em um contexto de emergência climática.
A recomposição do orçamento das instituições federais de ensino, que tem sido reduzido desde 2014, é uma das principais demandas do movimento grevista, juntamente com a recuperação das perdas salariais, a reestruturação das carreiras e a revogação de políticas prejudiciais aos serviços públicos e à classe trabalhadora implementadas nos governos Temer e Bolsonaro. A proposta defendida pelo ANDES-SN é a de que se tenha como parâmetro as verbas discricionárias de 2016, corrigidas pela inflação, garantindo investimentos em infraestrutura, permanência estudantil, bolsas de ensino, pesquisa e extensão.
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