2 de agosto de 2021
Em 2014, a Lei 13.005 instituiu o Plano Nacional da Educação para serem atingidas 20 metas até 2024. Alguns meses depois, motivados pela lenta prospectiva do governo para implementação de 10% do PIB para a educação, prevista no Plano somente para 2024, movimentos sociais, centrais sindicais, movimento estudantil e entidades de classe, organizaram o I Encontro Nacional da Educação (ENE), que tinha como objetivo debater as problemáticas da educação a partir de uma perspectiva democrática, em defesa da educação pública e de qualidade.
Devido à pandemia, o último ENE aconteceu em 2019. Em junho, o Andes - Sindicato Nacional divulgou em circular o documento da Coordenação Nacional das Entidades em Defesa da Educação Pública e Gratuita (CONEDEP), com orientações sobre a construção do IV ENE, que propõe adiamento do Encontro, considerando a importância dele ser presencial, mas prevê ações para as coordenações regionais. Após 7 anos da publicação da lei, o objetivo mínimo de 7% do PIB para a educação não foi aplicado e o Plano, como previsto pelos sindicatos, é utilizado para precarização da educação.
Ademais, o PNE 2014-2024 foi elaborado a partir do princípio de conciliação de classes, com a inserção do empresariado e dos ideais mercadológicos. Em cartilha, publicada no ano de 2018, o ANDES afirma não defender “o PNE, pois, por meio dele, garante-se uma ampliação da privatização da educação”. Além de engendrar “novas funções sociais para a educação pública [...] indicando para a maioria dos jovens, uma formação aligeirada pela via da EaD”.
Em maio deste ano, o governo Bolsonaro publicou Minuta da Proposta do Projeto Reuni Digital que tem como objetivo expandir as matrículas no ensino superior a fim de atender a Meta 12 do PNE/2014, só que com um pequeno ajuste: na modalidade EaD. A expansão do ensino à distância já vem sendo aplicada desde 2019 a partir da Portaria 2.117/2019 publicada pelo MEC, permitindo a ampliação de até 40% da carga horária da educação à distância em cursos presenciais de graduação. Anteriormente, o percentual era de no máximo 20%.
O investimento no desmonte da educação tem sido maior do que o investimento na infraestrutura da educação pública a fim de qualificar o ensino. Há duas razões para isso: o sucateamento dos serviços públicos é uma estratégia de governos privatistas que abandonam esses serviços, se utilizam da justificativa de que o Estado não tem condições de erguê-los e, por fim, justificam que eles devem ser privatizados; além disso, o atual contexto agrava a situação tendo em vista o avanço do negacionismo que se beneficia com o retrocesso da pesquisa e o apagamento da memória. Dessa maneira, não investem nos institutos e instituições de cultura e ciência, os abandonando à sorte. Exemplos infelizes disso são os incêndios no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018, e na Cinemateca, em São Paulo, na última quinta-feira (29).
Em paralelo a isso, no dia 19 de julho o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse em pronunciamento que o retorno presencial às aulas é urgente e que o MEC deve exercer papel articulador para auxiliar estados e municípios ao retorno presencial. De acordo com o Mapa da Vacinação Global, 19,7% da população brasileira está totalmente vacinada e 14, 6% da população mundial com as duas doses completas. O secretário estadual da Saúde do estado de São Paulo afirmou recentemente que uma nova campanha de vacinação deve começar em janeiro de 2022 e as duas doses das vacinas deverão ser aplicadas todos os anos. De acordo com Rodrigo Stabeli, pesquisador titular e diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de São Paulo, em entrevista ao G1, “a vacina surgiu em meio a uma emergência sanitária e ainda estamos aprendendo e observando o tempo de duração do efeito protetivo”, explica. Diversas pesquisas estão sendo desenvolvidas no mundo inteiro, considerando as diferenças entre grupos etários e outros, assim como a eficácia das vacinas e a periodicidade em que elas devem ser aplicadas.
Nesse sentido, a pressa para retorno presencial em diversos setores e atividades tem se precipitado diante do lento avanço e gestão da política sanitária no Brasil e em outros países, que em períodos cada vez menores voltam atrás com a flexibilização do isolamento e do uso de máscaras em espaços públicos. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, identificou que a variante delta é mais transmissível do que o vírus Sars-CoV-2, que a gripe comum e o vírus do Ebola, além de ser mais transmissível do que a catapora. Em entrevista ao jornal El País, a microbiologista Natália Pasternak afirma que “a preocupação com a delta tem que ser levada em conta para repensar as reaberturas. Não é o momento adequado para reabrir porque não sabemos o quanto ela está circulando e a vacinação no Brasil ainda está baixa”.
Segundo reportagem, atualmente 26 dos 27 estados brasileiros liberaram o retorno às aulas em modelo híbrido nas escolas privadas e, na rede pública, nove das 27 unidades federativas retomaram as atividades. Na teoria, os governos defendem um retorno híbrido com ações sanitárias adequadas, tais como disponibilização de álcool em gel nas escolas e universidades, salas respeitando o distanciamento mínimo, uso permanente de máscara, e outros. Na prática, não há direcionamento e sequer verbas para a implementação dessas ações. Além disso, já é comprovado cientificamente que a circulação de pessoas auxilia na velocidade da transmissão do vírus. Somado a isso, a taxa lenta de vacinação dá indícios de que é cedo para falar em retorno presencial, ainda que parcialmente.
Em junho, Bolsonaro vetou lei que prevê repasse de R $3,5 bilhões para estados e municípios investirem no acesso à internet em escolas públicas de ensino básico. No entanto, o Congresso derrubou o veto. Não satisfeito, o presidente acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de vetar novamente a lei. Para Juliana Brandão Machado, diretora da Sesunipampa e professora do curso de Pedagogia da Unipampa, Campus Jaguarão, “o veto de Bolsonaro simboliza o descaso do governo federal com as políticas de inclusão digital na educação. O ponto primordial para pensarmos as ações que envolvem o uso de tecnologias digitais no processo educativo é o que chamo de ‘políticas do acesso’, que envolvem a aquisição de dispositivos e disponibilidade de acesso à internet. A pandemia de Covid-19 mostra de forma mais acentuada que no Brasil o acesso à internet tem um recorte de classe social, pois está vinculado diretamente à renda dos usuários, conforme mostra a pesquisa ‘TIC Domicílios 2019’, promovida pelo CETIC”.
O Movimento Estudantes por Assistência Estudantil Digna (EPAED), organizado por discentes da Unipampa em Jaguarão, tem mobilizado uma série de ações na tentativa de auxiliar na permanência de estudantes que foram abandonados pela atual gestão da Reitoria da universidade. Segundo Juliana, o ponto de partida para pensar o retorno presencial está “balizado nas condições sanitárias para toda a população (e isso significa considerar que ampla maioria da população esteja com esquema vacinal completo, e que haja diminuição significativa do número de mortes, de internações e de casos de Covid)”. Além disso, o orçamento da Unipampa vem diminuindo, o que agrava as condições no atual contexto para ensino presencial. “Na Unipampa com os cortes na verba da permanência, a redução dos trabalhadores terceirizados e orçamento restrito, combinados à condição sanitária deste momento, temos um cenário de impossibilidade de um retorno presencial”, afirma a professora.
Para além das condições estruturais das escolas e universidades, assim como da assistência estudantil, também é fundamental pensar na dinâmica das aulas híbridas para docentes. Segundo Juliana, “neste momento de trabalho remoto intenso, vislumbrar a possibilidade de uma dinâmica que combine presencial e digital me faz pensar que só teremos uma intensificação do trabalho docente ainda maior do que a vivida atualmente. Há uma ideia equivocada na concepção de ensino híbrido, pois essa ideia de ‘mescla’, onde todo o tipo de prática combinada parece caber, abre espaço, do meu ponto de vista, para uma maior precarização do trabalho docente”.
Para o ANDES-SN, “sem vacina para todas e todos, o retorno presencial às atividades nas escolas, universidades, institutos e Cefet é a porta aberta para aprofundar a catástrofe que se vive no Brasil. ‘A medida das aulas híbridas vem na contramão do movimento que clama pela realização de um lockdown nacional, acompanhado de um auxílio emergencial condizente com as necessidades dos trabalhadores e das trabalhadoras e que se respalda na ciência e nas orientações das instituições públicas de saúde’, ressalta a entidade”. O Sindicato Nacional elaborou uma cartilha com o objetivo de pensar a relação do desmonte da educação com o avanço da configuração de flexibilização das relações de trabalho. O ensino híbrido e o ensino à distância são métodos flexibilizados de ensino, trabalho e, inclusive, de trocas, cada vez mais superficiais e alienadas. É dever do Estado público e laico, portanto, oferecer a estrutura necessária para um desenvolvimento de qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, no campo e na cidade.
De acordo com a diretora da Sesunipampa, o sindicato “é contrário a qualquer prática que precarize o ensino e o trabalho no interior da nossa instituição. A concepção de ensino híbrido é bastante problemática, especialmente se este for tomado por uma compreensão limitada, de uma simples mistura entre presencial e remoto. Consideramos que o ensino remoto tem uma condição desfavorável, sem políticas de apoio aos estudantes, sem uma discussão formativa e avaliativa desse processo. Não é possível defender uma prática somente do ponto de vista técnico. É necessária uma avaliação política da sua pertinência, embasada nas demandas do nosso contexto. A Sesunipampa defende que a preservação da vida deve ser a prioridade neste período de pandemia”, conclui Juliana.
Assessoria Sesunipampa
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