8 de fevereiro de 2022
Foto: Flávio André / Adufmat SSind.
Mais de 160 entidades assinam uma carta de denúncia contra a instalação do Porto Barranco Vermelho, no município de Cáceres, região do Pantanal mato-grossense. Apesar das 111 pendências apontadas pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema/MT) e dos riscos, denunciados por técnicos e especialistas, ao bioma de importância internacional, autoridades e deputados ligados ao agronegócio se articulam para viabilizar o projeto.
A área ameaçada é a maior superfície alagável do mundo, que abrange três países e tem territórios reconhecidos internacionalmente desde a década de 1990 pela Convenção Ramsar. Reúne sítios de áreas úmidas de importância internacional que precisam ser preservados.
No entanto, para escoar a produção do agronegócio, o setor empresarial e seus agentes públicos já aprovaram a licença prévia para a instalação do porto, via Conselho Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso (Consema-MT), e movimentam o Projeto de Lei 03/2022, na Assembleia Legislativa do MT, com o objetivo de alterar a Lei no 8.830/08, que dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso.
Preocupadas com as consequências dessa investida, apontada por diversos estudos, mais de 160 entidades marcarão presença, essa semana, em diversas frentes, para evitar mais este ataque ao Pantanal, que ainda sofre as consequências dos prováveis atentados dos últimos dois anos – vide Operação Mataá, deflagrada pela Polícia Federal.
A carta de denúncia será lançada em uma coletiva de imprensa na próxima quinta-feira (10), a partir das 9 horas, no auditório da Associação de Docentes da Universidade Federal do Mato Grosso (Adufmat – Seção Sindical do ANDES-SN). Um dos documentos base para a denúncia é o parecer técnico sobre a Hidrovia Paraguai-Paraná, elaborado pela pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pantanal/UFMT, Débora Fernandes Calheiros.
“Nas conclusões, a pesquisadora nomeia de forma profunda e detalhada que a criação da hidrovia colocará em risco: a Unidade de Conservação Federal – Estação Ecológica de Taiamã; o Parque Estadual do Guirá localizado junto à foz do Rio Cuiabá; o Parque Nacional Pantanal Mato-grossense (Parna), este considerado como Sítio Ramsar em 1993 – sítio de área úmida de importância internacional pela Convenção Ramsar de Conservação de Áreas Úmidas”, afirma a carta.
Foto: Flávio André / Adufmat SSind.
Por que a correria? A professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat/ Cáceres), Solange Ikeda Castrillon, doutora em Ecologia e Recursos Naturais, tem acompanhado de perto o processo e afirma que há uma contrariedade na aprovação da Licença Prévia pelo Consema/MT. “Está sendo aprovada uma licença pontual, mas que dependerá do uso do rio como uma via para escoamento. Licenciar estes processos separadamente não faz sentido. É preciso mensurar os impactos que a ampliação do escoamento pelo rio vai causar. Além deste porto, ainda se propõe o licenciamento e a reativação de mais dois portos, na mesma região”, alerta.
Além disso, a especialista observa que o Pantanal é regido pelo pulso de inundação, e a biodiversidade do sistema depende deste pulso. De acordo com ela, a utilização do rio como via de navegação ampliará o tráfego fluvial e, para isso, haverá necessidade de adequações, com dragagem em pontos sensíveis, como próximo à Estação Ecológica de Taiamã e Parque Nacional do Pantanal, por exemplo.
“Mudanças que naturalmente ocorrem como nas curvas dos leitos dos rios, se ampliam com a pressão de maiores embarcações. Estes impactos podem mudar o pulso de inundação. Como comunidade científica, devemos exigir que, como lançamos em uma declaração internacional, no dia das áreas úmidas, os estudos de viabilidade socioambiental devem incluir informações que contemplem toda a navegação, tanto nos trechos imediatamente comprometidos do rio quanto em toda a bacia. Deve também incorporar o caráter internacional do rio Paraguai, que envolve as populações e territórios dos países inevitavelmente interessados e afetados pelos impactos de um rio e bacias compartilhadas”, critica a docente.
Além das entidades que assinam a carta de denúncia, ligadas ao campo científico, social, político e até religioso, a comunidade local também demonstrou contrariedade ao projeto, realizando manifestações no dia da reunião em que o Consema aprovou a licença. Entre os grupos presentes, comunidades tradicionais do Pantanal, pescadores e ribeirinhos exigiram ser ouvidos e criticaram a inexistência de consulta pública.
“Os habitantes do Pantanal estão muito preocupados, porque reconhecem que não se trata somente de um prejuízo trabalhista, mas por não dissociarem cultura e natureza, reconhecem que há um perigo biocida, além da morte de porções não vivas, porém vitais à dinâmica ecológica planetária”, afirma a professora Michèle Sato, do Grupo Pesquisa em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA), da UFMT.
A docente destaca que, muito embora a instalação tenha um local demarcado, os problemas não serão limitados, e se espalharão para além da região do porto. “O ambiente não possui fronteiras”, disse.
Argumentos falsos As reações de alguns entes públicos e parte da população que defende a instalação do Porto como sinônimo de “progresso” também preocupam os especialistas. Sobre isso, Sato e Ikeda são taxativas: é falsa a concepção de que o Porto traria desenvolvimento à região.
“O avanço econômico é tido como positivo, mas é uma noção equivocada, principalmente porque a riqueza do agronegócio não é solidária, muito menos compartilhada. Uma dúzia de pessoas controlam 50% do planeta, segundo o último relatório de desigualdades da Oxfam”, diz Sato.
Para Ikeda, o discurso de avanço econômico para a proposição de grandes empreendimentos não beneficia a todos. “A pergunta é sempre avanço econômico para quem? Vemos essa história repetindo, constroem os empreendimentos, não ouvem os atingidos, a população local, fazem promessas de empregos e desenvolvimento. No final quem está no território é quem sofre as consequências dos impactos. Certamente os empresários que nem sempre ficam expostos ou são da região, terão os lucros. Mas se, nesse caso, impactar de forma irreversível o rio Paraguai e consequentemente o Pantanal, o que sobra para a população local?”, questiona.
O argumento de que as tecnologias atuais incidiriam o mínimo possível sobre o Pantanal também não é aceito por pesquisadores nem pelos movimentos sociais, tanto que o esforço para alterar da Lei estadual 8.830/08 visa modificar, justamente, o trecho que impede a instalação de empreendimentos de “atividades de médio e alto grau de poluição e/ou degradação ambiental”.
“Veja como há necessidade de uma avaliação ambiental integrada de todo o rio para a instalação da navegação de grande porte neste tramo norte. É uma região com baixa declividade e muitos meandros que determinam um escoamento lento das águas contribuindo para a existência desta imensa área úmida. Até discursos como estes dos que defendem o empreendimento demonstram isso. Se há tecnologia que permita isso, não foi discutida, precisa ser debatida, e licenciar os portos separadamente não engloba os estudos necessários sobre os impactos da hidrovia ou mesmo propostas que amenizem estes impactos”, destaca Ikeda.
Além da carta denúncia, que será protocolada em diversos órgãos públicos e divulgado na imprensa local e nacional, as entidades estão reunindo documentos para propor ações na esfera judicial e avaliando a possibilidade de propor um projeto de lei que proíba esse tipo de iniciativa. No entanto, o mais importante, destacam, é mobilizar a população, a consciência pública, a sociedade civil toda para não deixar que esse processo siga adiante.
Nesse sentido, Adufmat SSind. solicitou, nessa terça-feira (8), audiências para tratar do assunto com o governo do estado, Assembleia Legislativa, Ministério Público Estadual (MPE), Ministério Público Federal (MPF) e Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Outras instituições também serão provocadas nos próximos dias.
“Estamos fazendo esses protocolos na expectativa de poder apresentar todos esses documentos, denunciando ações orquestradas para exploração de um território que pertence a um bioma importante para todo o mundo e, assim, possamos pensar formas não só de barrar a instalação desse tipo de empreendimento, mas principalmente fortalecer a preservação desse Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera Mundial reconhecido pela Unesco”, afirma o diretor-geral da Adufmat SSind., Reginaldo Araújo.
Fonte: Adufmat SSind. com edição do ANDES-SN.
Fotos: Flávio André / Adufmat SSind.
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