23 de agosto de 2021
O que é a Proposta de Emenda à Constituição 32/2020
Em síntese, Propostas de Emenda à Constituição (PEC) são textos que buscam alterar regras da Constituição Federal. No dia 3 de setembro de 2020, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou ao Congresso Federal a PEC de número 32. Ela diz respeito a alterações nas “disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa”. Por isso, a PEC é também chamada de Reforma Administrativa.
O que muda com a Reforma Administrativa (PEC 32)
De acordo com o texto, o objetivo é flexibilizar as contratações, o que irá facilitar maior rotatividade nos empregos e, portanto, facilitará os processos de demissões. A ideia de desburocratização das demissões de servidores e servidoras públicas, defendida na PEC 32, foi amplamente debatida na opinião pública a partir da denúncia feita pelo servidor Luis Ricardo Miranda, da área da saúde, que denunciou o governo Bolsonaro na CPI da Covid-19. Isso porque ao facilitar as demissões, dificulta-se a segurança para denúncias de corrupção, além das contratações de confiança, a depender da gestão que estiver na instituição ou no governo, que irão responder aos interesses estritamente políticos e não aos interesses da população. Outro ponto que pretende ser alterado com a PEC 32 é a estabilidade, que interfere na carreira docente e no ensino como um todo. A carreira é um importante pilar para docentes, pois viabiliza qualificação para o trabalho, valorização salarial, salvaguarda o direito da realização do tripé pesquisa, ensino e extensão, condições de trabalho que respeitem a saúde e segurança do e da docente.
Além disso, o texto propõe novos vínculos empregatícios que, em alguns casos, independente do setor e da formação técnica, podem ser terceirizados. Os instrumentos de cooperação entre setor público e privado, por exemplo, presente no artigo 37-A, prevê “compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira”. Para exemplificar melhor, caso o Estado informe que não terá como empregar professores/as em uma escola ou universidade, uma empresa privada poderá oferecer o serviço de docentes, estabelecendo uma relação empregatícia terceirizada.
As seleções não serão mais através de concursos, mas de processos simplificados que não são explicitadas no texto da proposta de como serão feitas. Dessa maneira, não haverá mais servidor/a do Estado, mas dos governos.
O que, em sua integralidade, a PEC 32/2020 prevê é uma desconfiguração do serviço público como conhecemos hoje.
O argumento do Min. Paulo Guedes é de que a proposta busca modernizar o serviço público para que se adeque à realidade brasileira contemporânea. A realidade que conhecemos é de mais 14 milhões de desempregados/as, o maior índice de pobreza e fome da história do país desde a redemocratização, além de 19 milhões de pessoas em condição de fome. É a essa realidade que a reforma administrativa pretende se adequar?
Ademais, a Reforma Trabalhista, antes de ser aprovada em 2017, era apresentada como a saída para o desemprego e a garantia do aumento de postos de trabalho e contratações. Isso nunca aconteceu.
Tu deves estar se perguntando: por que todas essas alterações vêm sendo feitas se elas não garantem mais empregos e a diminuição da pobreza senão o contrário?
A resposta é simples: é verdade que a economia está em crise. Contudo, as propostas apresentadas pelo Min. Paulo Guedes, e anteriormente pelo ex-presidente Michel Temer, são saídas que pretendem ajustar as contas do Estado sem precisar mexer nos bolsos dos mais ricos, com o bônus de que eles enriqueçam mais com a retirada de direitos e privatizações.
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Os bancos e as grandes empresas privadas no Brasil tem sido, governo após governo, isentado de suas dívidas. O dinheiro devido aos cofres públicos por essas instituições privadas poderiam evitar as reformas sociais que vêm sendo feitas, retirando direitos históricos dos trabalhadores, trabalhadoras, idosos e jovens.
Em 2017, para citar um exemplo, o governo Temer perdoou cerca de R$30 bilhões aos bancos privados. Em 2019, antes da aprovação da reforma da previdência, empresas como Bancos Itaú e Original, JB&F Investimentos e JBS deviam à previdência social mais de R$1 trilhão. Outras empresas que eram públicas e foram privatizadas seguindo o mesmo argumento de “melhorar a economia”, “garantir mais empregos”, “desenvolver o país”, possuem uma dívida de mais de R$190 bilhões, sendo algumas elas a Varig, a Vale e Petrobrás, esta última parcialmente privatizada.
A tabela da dívida do Sistema Financeiro Nacional aponta que os bancos são os maiores devedores à União. Para saber mais detalhadamente, acesse aqui a tabela.
Além disso, de acordo com Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, “de 1995 a 2015 produzimos mais de R$1 Trilhão de Superávit Primário, ou seja, gastamos bem menos do que arrecadamos. Apesar dessa economia imensa de mais de R$1 Trilhão, a dívida interna aumentou de R$86 bilhões para quase R$4 trilhões no mesmo período, e seguiu crescendo, principalmente devido aos mecanismos de política monetária do Banco Central, responsáveis por déficit nominal das contas públicas”. Para tanto, é fundamental que uma auditoria seja feita para investigar possíveis irregularidades nos gastos públicos para pagamento da dívida em paralelo com uma política fiscal que cobre dos bancos e empresas privadas as suas dívidas aos cofres públicos. Só para se ter uma ideia do tamanho do rombo, mais de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) é utilizado para o pagamento da dívida.
Ademais, há uma percepção de que servidores e servidoras são substancialmente os responsáveis por grande parte dos gastos públicos. Contudo, “segundo dados divulgados pela Auditoria Cidadã da Dívida Pública, 77% dos servidores e servidoras recebem um salário de até R$5 mil, valor inferior do que deveria ser o salário mínimo de acordo com a lei e com o cálculo do DIEESE e que a grande maioria dos servidores e servidoras estaduais e municipais recebem até R$2 mil apenas e compartilham das mesmas responsabilidades”, aponta Guinter Tlaija, diretor da Sesunipampa.
Retornando à PEC 32/2020, tu sabes quem será afetado por ela?
Há uma ideia de que apenas profissionais do funcionalismo público serão afetados pela reforma. E que apenas os futuros servidores e servidoras, isto é, que os trabalhadores e trabalhadoras atualmente empregados nessa modalidade de trabalho não serão afetados. Mas não é bem assim.
Em live do sindicato realizada no dia 18 de agosto, o advogado Thiago Mathias, da RCSM Advocacia, que também presta serviços de assessoria jurídica à Sesunipampa, afirmou que “é falaciosa a ideia de que quem está hoje não é atingido, é atingido sim, em diversos aspectos. Uma delas é a possibilidade de extinção de cargo agora por decreto. Então o seu cargo pode ser um cargo em extinção por causa da possibilidade de que a perda do cargo não necessite mais do trânsito em julgado de uma ação judicial e apenas de uma decisão colegiada. Então são vários aspectos que mexem sim com a vida dos atuais servidores”.
No entendimento do advogado, “para aqueles que fizeram concurso público anterior à promulgação, ainda que não tenham atingido a estabilidade, eles ingressaram em um concurso público que não é para nenhum desses cargos dos novos vínculos”. Por isso, teórica e juridicamente não deve ser afetado pela reforma.
No entanto, ressalvas foram feitas no sentido de que com a política dos Instrumentos de Cooperação entre setor público e iniciativa privada, isso pode acarretar numa diminuição de contratação de trabalhadores por um processo feito pelo Estado visto que a iniciativa privada pode oferecer os serviços com o argumento de que o setor público não tem verbas para tal investimento. Com a aprovação da reforma trabalhista, já não há mais impeditivos para terceirização de qualquer profissional de qualquer setor. Dessa maneira, Thiago acredita que “é possível que daqui 20 anos não haja mais docentes concursados".
Os novos vínculos previstos da Reforma Administrativa, já existentes em outros tipos de serviço após uma série de alterações na legislação trabalhista, são caracterizados por sobrecarga de trabalho, precarização do emprego e flexibilização na contrapartida entre o que se entrega de trabalho e o que se recebe por ele, havendo um desequilíbrio que recairá nas costas dos trabalhadores e trabalhadoras.
Como as instituições públicas serão afetadas?
A tendência, a partir dos próprios instrumentos de cooperação já citados, das novas modalidades de contratação e da rotatividade de trabalhadores e trabalhadoras, é que os serviços públicos sejam entregues à iniciativa privada, não sendo mais responsabilidade do Estado. Com isso, segundo o diretor da Sesunipampa, Guinter Tlaija Leipnitz, “encaminha-se para uma extinção do serviço público se for aprovada essa proposta, uma redução dos serviços públicos destinada à população, redução no número de escolas, hospitais tão importantes à área da saúde nesse último período da pandemia. A sociedade vai ter que pagar muito caro pelos serviços, vai aumentar o fosso e colocar uma pá de sal grosso na grande ferida da desigualdade brasileira que nunca sara”.
Para a coordenadora do Sindipampa, Graciela Suterio, “o governo vende a ideia de que a reforma tem como objetivo transformar a administração pública para alcançar vários índices de produtividade oferecendo serviços de qualidade aos cidadãos a um custo mais baixo”. Para Graciela, esse objetivo irá de fato transformar a administração, “porque ela irá desmontar a mesma”. Caso a Reforma Administrativa seja aprovada, “os serviços não obedecerão o princípio da impessoalidade porque vai abrir as portas para validar os assédios e favorecimentos. A rotatividade de trabalhadores e trabalhadoras gerará uma demora no atendimento ao público, com o fim dessa estabilidade. A lógica dessa reforma é mascarada por modernidade e eficiência, mas a gente sabe que se trata de uma velha lógica do capitalismo, que deposita responsabilidade no indivíduo pelo serviço e pelo investimento gasto”, afirma Graciela.
Como a PEC 32 pode afetar quem não é servidor/a público/a?
A Reforma Administrativa pretende transformar toda a forma do serviço público no Brasil. Não só as regras de contratações de servidores e servidoras, mas também a entrega do serviço público e de qualidade à toda população brasileira. Se hoje a saúde e a educação são públicas, com a reforma administrativa, isso pode mudar gradativamente.
Então, por que a luta contra a PEC 32 não é só da categoria de servidores e servidoras? Para Guinter, “em primeiro lugar porque ela representa uma transformação substancial na natureza do Estado brasileiro e dos serviços públicos, como saúde, educação, cultura e lazer, tudo o que passa por serviços públicos de qualidade vai ser afetado”.
Também serão afetados os e as futuras profissionais que hoje já sofrem com os ataques da recente minirreforma trabalhista que flexibiliza ainda mais as formas de contratação de jovens trabalhadores/as. Para a estudante do curso de História do Campus Jaguarão, Andriele Paiva, "se passa a ideia de que a reforma irá afetar apenas servidores, mas na verdade vai afetar todos que precisam desses serviços”, sobretudo estudantes que pretendem seguir no percurso acadêmico para futuramente se tornarem docentes.
Dessa maneira, o país segue rumo ao aprofundamento da desigualdade e um retrocesso sem precedentes a um período em que não existia direitos sociais a trabalhadores e trabalhadoras que lutavam clandestinamente para conquistá-los.
Assessoria Sesunipampa
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