Em São Gabriel, município da Campanha Central do Rio Grande do Sul, estudantes da Unipampa perdem aulas há um ano: o motivo é a ausência de condições mínimas no transporte público que deveria conectar o centro e os bairros da cidade ao campus da universidade. O que acontece na cidade é exemplar para situações que se repetem onde estão os campi da universidade. Discentes e professores relatam à Sesunipampa o número reduzido de veículos, a insuficiência de horários, o longo intervalo entre as viagens e a falta de cobertura de transporte nos bairros.
Claudia Elisa Dorneles Souza é estudante do curso de Gestão Ambiental no campus de São Gabriel e, ainda que matriculada na Unipampa, não pode acessar o edifício da instituição em determinados dias e horários simplesmente porque não é possível chegar ao local sem que se conte com um veículo particular. Os ônibus oferecidos pelo município restringem e empobrecem a vida acadêmica: “por conta do transporte, não temos acesso ao campus no final da semana e, em razão dos horários dos ônibus, perdemos aulas no turno da noite. Na noite, perdemos um período inteiro de aulas há mais de um ano por esse motivo”.
Como os horários das viagens são reduzidos e não preenchem todo o turno da noite, as aulas e demais atividades acabam por terminar mais cedo para que os estudantes tenham como retornar às suas casas. Mais do que um improviso, a medida desrespeita o direito dos estudantes às disciplinas oferecidas e o trabalho de docentes e do pessoal técnico em educação, também prejudicados pela precariedade no sistema público do município. E, ainda que o caso de São Gabriel sirva como um exemplo gritante dessa realidade, as falências também se mostram em outros municípios gaúchos em que se encontram unidades da Unipampa.
Em outro exemplo, os estudantes que vivem em Arroio Grande e estão matriculados no campus da Unipampa em Jaguarão até o ano passado contavam com transporte assegurado pelas prefeituras; hoje, tal prática deixou de acontecer e os estudantes precisam buscar um auxílio-transporte que, no mais das vezes, não cobre o valor das passagens. A partir dessa mudança, também foram registrados novos e crescentes casos de abandono das matrículas no campus de Jaguarão. O relato é da estudante Cátia de Souza Teixeira e Teixeira, do curso de Letras – Espanhol. Cabe também assinalar que o transporte público oferecido em municípios como Dom Pedrito e Jaguarão é praticamente inexistente. Em Jaguarão, além de as linhas serem escassas, não há oferta de ônibus após as 18h – o que dificulta ainda mais a presença de estudantes nos cursos que, em sua maioria, funcionam no turno da noite.
A consequência mais drástica dessa insuficiência é, nas diferentes cidades, justamente o aumento da evasão entre os estudantes que acabam por abandonar os estudos acadêmicos ao constatar a quase impossibilidade de se deslocar ao local de ensino como se esperaria. “A evasão provocada pela falta de transporte público é absurda. Os ônibus, inclusive, só passam pelo centro da cidade, há estudantes que precisam caminhar por duas horas para chegar à parada de ônibus mais próxima. E esse problema tem ficado por isso mesmo”, relata à reportagem Claudia Elisa Dorneles Souza.
Para Rafael Cabral Cruz, professor na Unipampa em São Gabriel e membro da diretoria da Sesunipampa, a longa crise do transporte público nas cidades gaúchas acaba até mesmo resultando em situações de inviabilidade no âmbito do ensino – para estudantes e também para docentes. “Em vários campi da Unipampa vemos uma situação calamitosa no transporte público. Em alguns, está sendo comprometida a carga horária das disciplinas em até 50%, o que viola o direito dos estudantes em ver cumprida a oferta das disciplinas em que se matricularam e cria problemas de comprovação de exercício docente para os professores que não podem exercer a carga horária obrigatória”, afirma Cabral Cruz.
Tão grave como o cenário apresentado é a ausência de soluções apresentadas pela instituição. Não há, até o momento, auxílios suficientes oferecidos aos estudantes que dependem do transporte público para acessar as aulas, e tampouco sinalizações de que a Unipampa poderia buscar recursos e meios próprios para solucionar a questão. Por sua vez, os valores repassados em forma de auxílio estão defasados e não alcançam os gastos mínimos de cada estudante. “Os auxílios oferecidos pela Unipampa não garantem a efetividade do acesso estudantil às suas atividades acadêmicas, tanto de ensino, como de pesquisa e extensão. Na ausência de transporte público adequado, a verba não paga deslocamento através de aplicativos ou táxi na ausência da oferta nos horários necessários. Ou seja, a bolsa transporte não cobre a despesa para manutenção do estudante e evitar a evasão”, relata Rafael Cabral Cruz.
“Cabe à instituição garantir o acesso estudantil. A responsabilidade municipal pela gestão do transporte público não isenta a universidade de garantir o acesso aos seus estudantes. O problema é grave na Unipampa, porque a gestão insiste que a responsabilidade é dos municípios. Enquanto se omite da responsabilidade, uma crescente quantidade de estudantes carentes, trabalhadores, indígenas, filhos de assentados, desistem de estudar na universidade por total ausência de condições. Entre estas condições, o acesso aos campi. A decisão é, acima de tudo, política”, opina o professor.
Se hoje o combate à evasão aparece como um dos principais desafios das universidades públicas brasileiras, o papel do transporte público – e da mobilidade urbana e rural, de forma mais ampla – surge como um dos fatores mais relevantes para se compreender e solucionar o problema. Mais ainda no cenário da Unipampa, com seus campi localizados em cidades pequenas, o que exige uma gestão capaz de dialogar com os municípios sobre possibilidades de cooperação, linhas prioritárias e o planejamento de alternativas próprias para proporcionar o deslocamento adequado dos e das estudantes. O transporte público precisa urgentemente ser tratado como prioridade.
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