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Os desafios institucionais e sindicais em universidades multicampi e de fronteira

Atualizado: 30 de set. de 2024


As instituições de ensino superior multicampi têm se tornado cada vez mais comuns, especialmente em regiões de fronteira, onde a diversidade cultural e as distâncias geográficas impactam tanto a gestão acadêmica quanto a vida dos alunos e servidores. A organização das universidades brasileiras começou com a chegada da Família Real portuguesa em 1808. O processo de independência, iniciado em 1822, evidenciou o alijamento da classe trabalhadora do acesso ao modelo de educação europeia influenciado pela Universidade de Coimbra, situação que perdurou até a Proclamação da República em 1889. Entre o final do século XIX e o início do século XX, a educação sofreu várias transformações e teve marcos importantes, como em 1931, com o Estatuto das Universidades Brasileiras, e em 1968, com a Reforma Universitária no bojo do acordo MEC-USAID. O salto mais importante foi a mudança de instituições isoladas de ensino superior para conglomerados.

 

A multicampia surgiu como uma política de democratização do ensino superior, com a intenção de que o tripé básico da universidade – ensino, pesquisa e extensão - pudesse responder às demandas regionais e fomentasse o desenvolvimento humano. No entanto, essa política pública tornou-se sinônimo de expansão precarizada do ensino superior. Para garantir a expansão das universidades através da instalação de campi em cidades fora de sede, especialmente nas instituições federais, muitos convênios foram realizados entre universidades e prefeituras locais. Porém, esses convênios nem sempre passaram por um processo criterioso de explicitação das responsabilidades dos distintos entes federativos, resultando em descontinuidades nos investimentos.


A expansão universitária no Brasil enfrenta críticas sobre sua implementação, frequentemente associada a políticas clientelistas e eleitoreiras. Essa abordagem levou à criação de campi em municípios sem a devida consideração pela demanda local, resultando na escolha aleatória de cursos que, por sua vez, causou o fechamento ou o esvaziamento de alguns deles. Isso teve um impacto direto na vida dos docentes, dificultando a produção de conhecimento nas áreas de concurso e comprometendo a dinâmica acadêmica.


Além disso, a expansão muitas vezes ocorre sem um patrimônio vinculado ou uma dotação orçamentária que assegure a continuidade dos recursos. Nas instituições federais, a expansão tem se dado de forma dispersa e sem uma articulação que promova a organicidade da multicampia. Embora a Constituição de 1988 tenha garantido um financiamento mínimo, os recursos continuam sendo insuficientes. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) buscou aumentar o acesso e a permanência, mas os resultados são limitados pela falta de infraestrutura adequada e pela escassez de docentes efetivos.


Um dos principais desafios enfrentados pelas instituições multicampi é a distância entre os campi, que compromete a mobilidade de professores e alunos e dificulta a integração e a participação em eventos acadêmicos. A distância entre os extremos da instituição, como São Borja e Jaguarão - que estão, aproximadamente, a 739,2 km de distância - evidencia as dificuldades logísticas enfrentadas. Além disso, o campus Jaguarão está localizado a 258 km do campus Bagé, o mais próximo, demonstrando como a dispersão geográfica pode afetar a interação entre os campi, dificultando o intercâmbio acadêmico e a colaboração entre estudantes e docentes.


Além disso, a diversidade cultural da região requer adaptações curriculares que frequentemente não são implementadas. As limitações orçamentárias agravam essa situação, já que as instituições em áreas de fronteira frequentemente sofrem cortes que restringem a realização de atividades que fomentem a integração entre os campi.


Rosilaine Coradini Guilherme, professora do curso de Serviço Social na Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja, afirma que “A multicampia, embora configure uma possibilidade de democratização e de descentralização do ensino superior público a partir da interiorização, apresenta diversos desafios para o cotidiano de trabalho e de estudo, a exemplo da distância geográfica entre a localização das unidades de ensino, o que contribui para a fragmentação espacial das categorias que integram a comunidade acadêmica. Fato que incide na organização e articulação política dessas categorias perante as demandas coletivas, sendo essas últimas negligenciadas pela esfera estatal via contingenciamentos e cortes orçamentários.”


Acrescenta ainda que “os contingenciamentos e cortes orçamentários impostos ao ensino superior público, enquanto prática de austeridade fiscal pela esfera estatal, impulsionam processos de precarização das universidades federais. Fato que se agrava quando aplicados no contexto da multicampia em região fronteiriça. As múltiplas estruturas físicas típicas da multicampia presumem orçamento compatível para que se garanta, além de infraestrutura adequada e a devida manutenção, também um quantitativo adequado de recursos humanos cujas remunerações e planos de carreiras estejam em conformidade com as reivindicações das categorias profissionais que compõem o quadro funcional. Logo, os bloqueios e cortes de verbas, como exemplo as despesas de custeio e de capital, atingem diretamente o cotidiano miúdo da comunidade acadêmica em nível de graduação e de pós-graduação.”


Além dos desafios mencionados, é fundamental considerar que a precarização das universidades federais também afeta a formação dos estudantes e a pesquisa acadêmica, essenciais para o desenvolvimento social e econômico das regiões envolvidas. A falta de recursos compromete não apenas a infraestrutura física, mas também a oferta de programas de extensão e apoio à permanência dos alunos, que são cruciais em contextos de vulnerabilidade. Esses fatores podem resultar em um esvaziamento das potencialidades da multicampia, limitando sua capacidade de inovar e responder às demandas locais, o que torna ainda mais urgente uma reavaliação das políticas de financiamento do ensino superior.


Embora existam particularidades, a multicampia nas Instituições de Ensino Superior Estaduais (IEES) e nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) compartilha características comuns, pois o princípio central da expansão tem sido o mesmo: aumentar a oferta sem garantir a qualidade e as condições adequadas de trabalho e aprendizado. Essa dinâmica é impulsionada por diretrizes de organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, que veem a educação como um serviço a ser disponibilizado rapidamente. Essa visão prioriza a quantidade em vez da qualidade, o que compromete não apenas a infraestrutura das instituições, mas também a formação dos estudantes e a efetividade do ensino.


Os processos de multicampia são moldados por diversos elementos, tornando essa realidade complexa e desafiadora. Embora a expansão do ensino superior público seja defendida pelos sindicatos como uma forma de democratização, ela frequentemente enfrenta políticas que precarizam os campi, o ensino e as condições de trabalho. Essa precarização é caracterizada por uma infraestrutura fragilizada e políticas de permanência estudantil e docente inadequadas. Isso, por sua vez, desarticula e enfraquece a organização das categorias e entidades envolvidas.


A questão da fronteira, embora intimamente relacionada à multicampia, exige uma análise mais detalhada devido aos seus desafios e oportunidades singulares. A Unipampa se destaca como uma instituição fronteiriça, com um compromisso explícito em promover a inclusão de estudantes provenientes do Uruguai e de outras regiões. Isso não apenas enriquece o ambiente acadêmico, mas também fortalece laços culturais essenciais para a construção de uma identidade regional. No entanto, essa potencial troca se depara com barreiras estruturais do serviço público. Por exemplo, a burocracia que impede que servidores transitem livremente entre os lados da fronteira sem seguir procedimentos complexos e demorados – especialmente, a necessidade de solicitar oficialmente “pedido de afastamento do país” - limita as oportunidades de colaboração e intercâmbio. Assim, inviabiliza cotidianamente essa troca mais efetiva com o outro lado da fronteira. Além disso, é importante ressaltar que a condição de instituição fronteiriça não se limita ao aspecto geográfico, mas abrange também questões sociais e culturais que influenciam a vivência acadêmica.


Eduardo Lopez Chagas, ex-coordenador geral do Sindipampa, técnico lotado na Pró-Reitoria de Administração e Planejamento em Bagé, destaca que “a percepção de que o sistema institucional é a única solução pode gerar desmotivação, especialmente quando ele falha em atender às nossas necessidades. Isso leva a um esvaziamento do significado de política, democracia e engajamento social. Estamos em um momento em que a discussão sobre participação política e cidadania parece ser vista com ceticismo, e muitos acreditam que seus esforços não terão impacto. Portanto, um dos principais desafios que enfrentamos é romper com essa mentalidade, que nos aprisiona e inibe a ação coletiva, algo que se torna ainda mais fundamental em tempos como os que vivemos, além das especificidades da multicampia.”


Salienta ainda que “as dificuldades ambicionais surgem em virtude do isolamento geográfico das cidades, o que impacta a mobilização dentro do sindicato. Essa sensação de distância se reflete em nossa participação em movimentos nacionais, tornando a coesão um desafio. Contudo, a tecnologia tem sido uma aliada, permitindo a comunicação por meio de celulares e plataformas como o Meet, que ajudam a conectar colegas de diferentes localidades. Apesar dessas ferramentas, a dispersão geográfica ainda limita nossa capacidade de ação. Em unidades com poucos servidores, a participação nas iniciativas sindicais pode ser reduzida, gerando um sentimento de enfraquecimento que desestimula a luta coletiva. Embora a estrutura multicampia amplifique esses desafios, as questões que enfrentamos estão ligadas a um contexto mais amplo.”


Diante desse cenário, as seções sindicais têm buscado estratégias para garantir a mobilização dos trabalhadores. O debate sobre a multicampia foi pautado pelo ANDES-SN durante o 16º Congresso em 1997, reconhecendo que a expansão precariza o trabalho docente. A necessidade de uma organização sindical adaptada à realidade multicampia é evidente, com a busca por maior participação da base e um fortalecimento da mobilização.


O ANDES-SN tem avançado em discussões sobre organização sindical, com a implementação de encontros intersetoriais e a revisão de estatutos, visando uma atuação mais eficaz nas realidades multicampia e de fronteira. Medidas como o uso de videoconferências e assembleias descentralizadas são essenciais para garantir a participação dos docentes que atuam em diferentes campi. O acúmulo deste debate impulsionou recentemente a criação de um Grupo de Trabalho sobre Multicampia e Fronteira. Assim, apesar das dificuldades, a luta por melhores condições de trabalho e a busca por uma educação superior de qualidade se mostram fundamentais. A união da comunidade acadêmica e a mobilização sindical são cruciais para transformar os desafios da multicampia em oportunidades de desenvolvimento e inclusão.


Rosilaine Coradini também complementa que “A potência do movimento sindical docente reside na sua concepção originária baseada em práticas de militância combativa e autônoma em relação aos partidos políticos e governos. Em um cenário de multicampia, apesar da referida concepção nortear as ações do movimento sindical, existem desafios concretos para se ampliar a mobilização da categoria em torno das pautas e reivindicações. Entre os desafios, a distância geográfica entre os campi que favorece a fragmentação da categoria; a sobrecarga de trabalho docente que se amplia a partir das demandas de cunho burocrático; reduzido número de sindicalizados(as), sendo essa prerrogativa importante para fortalecer as lutas e reivindicações; o negligenciamento pela esfera estatal acerca das reivindicações da categoria, como a integralidade das reposições das perdas salarias. Na prática, a Sesunipampa mantém seu direcionamento combativo e autônomo, a partir das ações de mobilização e de pressão política perante o governo federal, para que esse último atenda o conjunto das reivindicações da categoria docente, as quais envolvem pautas econômicas e sociais.”


A continuidade das lutas sindicais é fundamental, especialmente em um cenário de multicampia, onde as demandas de trabalhadores e professores podem diferir significativamente entre os campi. Nesse contexto, é imperativo que as questões trabalhistas, como a valorização profissional e a melhoria das condições de trabalho, sejam mantidas como foco central. Guilherme Howes Neto, segundo secretário da Sesunipampa destaca que “duas questões fundamentais, embora distintas, estão interligadas e prejudicando gravemente a organização sindical e acadêmica: o insulamento (interno) e o isolamento (nacional). Estamos não apenas separados entre os campi, mas também desconectados do restante do país. As dificuldades vão além do âmbito sindical, afetando a vida acadêmica. Organizar eventos e trazer convidados, seja de fora do estado ou mesmo do Rio Grande do Sul, tornou-se uma tarefa extremamente desafiadora. Os campi em municípios com aeroportos deficitários enfrentam sérias limitações de transporte, com voos escassos e pouco confiáveis. Nas estradas, a situação é igualmente preocupante; todas as vias que conectam os municípios da Unipampa são precárias, sem duplicação e deterioradas pelo intenso tráfego de cargas, tornando a mobilidade um desafio constante.”


Além disso, ele aponta que esse cenário de isolamento inviabiliza o intercâmbio e a interação entre os campi, complicando ainda mais a organização sindical. As assembleias da Sesunipampa refletem essa realidade, expressando as dificuldades de organização da categoria docente, Essas dificuldades também se estendem aos alunos, que frequentemente têm vínculos temporários com a instituição. Organizar esses estudantes, em um contexto marcado pelo isolamento e pela efemeridade, torna-se uma tarefa hercúlea, especialmente em campi que carecem de diretórios acadêmicos. Embora as ferramentas digitais ofereçam alguma solução, elas não são suficientes para garantir uma organização sindical robusta. O recente estabelecimento do GT Multicampia e Fronteira pelo ANDES-SN indica que esse tema é uma prioridade nas discussões em nível nacional. No âmbito da Sesunipampa, caravanas anuais buscam fomentar debates sobre questões relevantes, valorizar a presença física nos espaços e incentivar a sindicalização, almejando uma representação mais ampla em todos os campi, como a que foi realizada na semana passada, entre os dias 17 a 19 de setembro, com passagem pelas cidades de São Gabriel, Santana do Livramento, Dom Pedrito e Bagé. Entretanto, é vital compreender que as barreiras impostas pela multicampia têm um impacto abrangente, afetando tanto a universidade quanto o sindicato que nela opera.


A realidade de campi em uma região de fronteira revela a urgência de estabelecer espaços de diálogo coletivo que abordem questões essenciais para a comunidade acadêmica, como os impactos dos cortes orçamentários e os ataques à educação pública. A experiência da multicampia da Unipampa, situada ao longo da região fronteiriça do Rio Grande do Sul, exemplifica a luta contra a precarização do ensino superior em áreas com altos índices de pobreza e desemprego. Apesar dos desafios financeiros, a criação de dez campi oferece uma oportunidade valiosa de acesso à educação superior pública, contribuindo significativamente para a transformação social e educacional das comunidades locais. Assim, é essencial fortalecer a resistência e a mobilização em prol de uma educação com orçamento público estruturado, que efetivamente atenda às demandas regionais com base em princípios democráticos e de autonomia na produção de conhecimento, não ficando restrita às amarras de interesses políticos locais.

 


Caravana da Sesunipampa passa por Santana do Livramento



Caravana da Sesunipampa passa por Dom Pedrito



Caravana da Sesunipampa passa por Bagé




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