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Pela manutenção dos direitos dos povos indígenas: a tese do Marco Temporal e a universidade pública


Foto: Bianca Feifel/CIMI

Aprovado pela Câmara dos Deputados no final de maio, o projeto que instaura o Marco Temporal como regulação das demarcações das terras indígenas permanece em situação indefinida, visto que ainda precisa ser analisado pelo STF. A tese, que prevê que apenas serão demarcadas as terras ocupadas pelos povos indígenas até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, é questionada e combatida por representantes indígenas, pesquisadores do tema, antropólogos e professores, entre outros tantos atores organizados.


Jucemar Sales, estudante Kaingang do curso de Educação do Campo, da Unipampa, vive na terra indígena Guarita, um dos territórios mais significativos situados no Rio Grande do Sul. Localizada no Noroeste do estado, a Guarita foi demarcada pela primeira vez ainda em 1918, tendo passado por um processo de redemarcação em 1997. O lugar, onde hoje vivem cerca de seis mil indígenas kaingangs, é uma das terras diretamente ameaçadas pela tese do Marco Temporal. Ao todo, 41 territórios localizados no Rio Grande do Sul podem ser afetados pela resolução.


“O Marco Temporal afeta todos os direitos já conquistados”, relata Jucemar Sales à Sesunipampa. Para o estudante, a ameaça ao direito à terra impacta também em outros direitos básicos, como o direito à educação: “quando não temos a mãe terra, que sustenta o nosso povo, não temos também como aprender com as pessoas da comunidade, com os mais velhos e com as nossas lideranças. Como vamos criar escolas em terras onde não poderemos morar?”. “Marco Temporal, não!”, resume o estudante, que ressalta a importância do acesso à universidade pública por parte dos jovens indígenas, ainda que com as atuais dificuldades de acesso e permanência junto às instituições de ensino.


Para Suzana Cavalheiro de Jesus, presidenta da Sesunipampa, “o Marco Temporal é um projeto perverso de retirada dos direitos dos povos originários”. “A tese quer ratificar a ideia, colonialista, de que os povos indígenas teriam direito aos territórios que estivessem ocupando ou reivindicando, em âmbito jurídico, até 05 de outubro de 1988, data de promulgação da atual Constituição Brasileira. Ocorre, porém, que nesta época estava vigente o Estatuto do Índio, que data de 1973 e que determinava a Cidadania Tutelada das Populações Indígenas. É somente a partir de 1988 que os povos indígenas são reconhecidos como partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa de seus direitos. E é também na Constituição Cidadã que o direito dessas populações à posse das terras habitadas é reconhecido como originário e determinado pela ocupação tradicional”, afirma.


No sul do Brasil, o povo Kaingang, ao qual o estudante Jucemar pertence, protagoniza diversos processos de retomada de seus territórios - uma luta que o Marco Temporal pretende deslegitimar. “Somado a isso, pesquisas do campo da antropologia, da história e da educação, mostram que muitos territórios foram desapropriados à força, durante o período da ditadura empresarial-militar. Grupos foram expulsos de forma violenta, famílias foram retiradas de suas casas e colocadas em caminhões que as deixavam em um aldeamento único, como se as comunidades não tivessem história, como se não existissem fronteiras étnicas, nem conhecimento sobre manejo ecológico. Como se a humanidade lhes estivesse, mais uma vez, sendo negada”, prossegue Cavalheiro, que destaca também que “o não reconhecimento da Memória Social e da história desses povos no território que hoje é o Brasil, implica em um projeto que favorece grupos de interesse bastante específicos. A defesa da ideia de propriedade não pode apagar a concepção de direito originário”.


O ANDES-SN tem se colocado solidário à luta dos povos indígenas pelo direito constitucional de viverem nas terras que tradicionalmente habitaram. Entende-se que, o debate sobre o Marco Temporal, ao abordar o direito à terra e a composição dos territórios indígenas, está intimamente ligado às discussões sobre os modelos de universidade e sociedade que queremos. “Na universidade pública ainda estamos pautando o básico: condições de ingresso e permanência. Recentemente acompanhamos o debate trazido pelo coletivo de estudantes indígenas e quilombolas com relação aos valores das bolsas, atrasos no pagamento e insuficiência de recursos na política de assistência estudantil. Se analisarmos com atenção, os grupos que reduzem o orçamento da universidade pública são os mesmos grupos que defendem projetos como o Marco Temporal. O reconhecimento do território é central para o reconhecimento, perpetuação e troca dos conhecimentos tradicionais. O campo da educação perde ao negar a história dos povos originários, suas línguas, visões de mundo, formas de manejo ecológico, a história da domesticação de animais e de plantas, a base da alimentação deste país, as filosofias construídas por cada povo, as práticas de auto-atenção na área da saúde, os processos de resistência, a ciência política que foi se estruturando nos Trópicos”, avalia a direção da Sesunipampa.



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