19 de julho de 2021
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, cerca de 45 milhões de brasileiros e brasileiras têm algum tipo de deficiência. De acordo com informações da Agência de Notícias do IBGE, “apesar de representarem 23,9% da população brasileira em 2010”, estas pessoas não vivem em uma sociedade livre de barreiras, impostas pelo modo produtivista do capitalismo. Ainda com informações do IBGE, “Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) de 2014, a maioria das prefeituras não promove políticas de acessibilidade, tais como lazer para pessoas com deficiência (78%), turismo acessível (96,4%) e geração de trabalho e renda ou inclusão no mercado de trabalho (72,6%)”.
Além disso, dados do Inep, de 2018, apontam que a porcentagem de Pessoas com Deficiência (PcD) nas universidades ainda é bastante pequena, representando, no universo dos e das docentes, 0,43% do total de 384.474 professores do ensino superior, no ano em que a pesquisa foi realizada. O Governo Federal destinou para 2021, R$2 milhões de reais para realização de ações de capacitação para a comunidade. Desses, R$1 milhão seria somente para desenvolver material gráfico. Um valor insuficiente considerando o total da população com algum tipo de deficiência e suas especificidades, que demandam diferentes tipos de ações e de acessibilidade.
A docente dos cursos de Licenciaturas em Educação do Campo e em Ciências da Natureza, do Campus Dom Pedrito, Paula Maiane da Silva Cavalheiro, conta sobre sua vivência com a educação como pessoa surda desde quando atuava em escolas de ensino básico para surdos e como professora substituta na área do ensino de Libras, na Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente, Paula é docente na Unipampa e, a fim de viabilizar a entrevista de maneira adequada, a Sesunipampa contratou serviço de intérprete, que contou com a tradução de Vinícius Martins, da Interpretare.
Em nossa conversa, Paula falou que teve uma fácil adaptação devido ao fato de o campus universitário de Dom Pedrito ser menor do que a instituição em que atuava antes de lecionar na Unipampa, o que facilitou o contato com colegas de trabalho, além de uma fácil adaptação cultural. No entanto, o campus em que trabalha está sem intérprete e, por isso, conta com ajuda de outras docentes para reivindicar o seu direito à interpretação. Segundo ela, “no mês de junho começaram as aulas e há problemas de acessibilidade na área de tecnologia. Na hora de fazer uma chamada, na hora de fazer aulas síncronas, tem problema de queda de internet, do uso da ferramenta meet porque ele fica modificando as pessoas de lugar, as pessoas somem da página e não fixa intérprete, então mudamos para a ferramenta zoom que é mais adequada para esse momento”. De acordo com Paula, o acesso à plataforma moodle para atividades assíncronas é bastante simples e os/as estudantes podem acessar os materiais das aulas. No entanto, as aulas síncronas são extremamente importantes para o ensino e desenvolvimento da disciplina que ela leciona. Para isso, é fundamental a presença de um/a intérprete, o que não tem sido garantido pela Unipampa em diversos campi da universidade.
Para atender a essas e outras demandas, a Unipampa conta com o Núcleo de Inclusão e Acessibilidade (NInA). Paula relata que a relação com o Núcleo costuma ser próxima, com realização de reuniões e encontros frequentes. No entanto, com o início da pandemia, essa relação ficou mais distante. “A gente perde o contato, não é tão próximo, então fica uma relação mais distante. Há pedidos, são feitos, são realizados, mas é tudo mais distante. Então é importante que tenha esse retorno. A gente entende essa questão do momento da pandemia, mas é importante também esse contato que ficou mais distante durante a pandemia”, relata a docente.
Segundo Débora Hernandes Figueira, servidora do NInA, o orçamento do Núcleo tem sido reduzido gradativamente nos últimos anos. Em declaração, ela afirma que “em 2019, o recurso anual do NInA foi de aproximadamente R$ 70.000,00. Em 2021, o recurso do NInA está dentro de um recurso maior que é o da ADAFI. Porém, estima-se que o recurso que está liberado para o NInA é de aproximadamente 50% menor, se comparado com 2019. Ainda há um recurso para contratação terceirizada que ainda está bloqueado, sem previsão e disponibilidade”. A falta de transparência nos processos de uma instituição pública e a redução de verbas para políticas de ações afirmativas são os principais problemas a serem enfrentados. Primeiro, o acesso à informação, além de ser um direito, é mecanismo essencial para conhecimento da estrutura da universidade para que se saiba em que medida a instituição está apta para receber pessoas com deficiência e oferecer a elas as condições adequadas para desenvolvimento do ensino e da pesquisa. Segundo, o compromisso do Ministério da Educação e do Governo Federal em destinar verbas que atendam às demandas com ações efetivas.
A intérprete de Libras da Unipampa, Deise Soares, afirma que o número de técnicos/as “atualmente é insuficiente para cobrir todas demandas com ensino, pesquisa e extensão” na Unipampa. Em sua análise como profissional da área, “para suprir minimamente as demandas, o número deveria ser o dobro para atendimento com qualidade e salubridade para os profissionais”. Além disso, com a pandemia, as demandas aumentaram consideravelmente e o principais desafios são “o escasso número de profissionais, a falta ou a ineficaz regulamentação dos serviços de tradução interpretação bem como a ingerência dos órgãos gestores que deveriam fazê-los e que falham na escuta e na proposição de resoluções”.
Apesar da posse do presidente Jair Bolsonaro ter sido marcada pela presença da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, como uma ativista do direito dos surdos e surdas, para a docente Paula o governo “aparenta muito mais do que faz”. Segundo ela, “o Bolsonaro sinaliza que precisa ter intérprete, acessibilidade, mas como é que funciona isso de verdade, na prática? Isso a gente não tem. Antes sim, antes a gente tinha muitos intérpretes em diferentes espaços e com a vinda do Bolsonaro, a partir do MEC, tem essas questões de mudança, por exemplo, da questão do terceirizado, não tem mais intérprete concursado, e mesmo assim insuficiente”. Em 2019, o governo Bolsonaro apresentou um Projeto de Lei (6159/2019) para acabar com cotas para pessoas com deficiência. A lei de cotas determina que empresas com mais de 100 funcionários mantenham em seus quadros entre 2% a 5% das vagas para a contratação de pessoas com deficiência. Com a alteração, empresas poderiam contar em dobro, nesta porcentagem, pessoas com deficiência grave, desconfigurando a reserva de cargos, como denuncia a Subprocuradora-Geral do Trabalho, Maria Aparecida Gurgel. O PL está parado na Câmara desde então, aguardando a constituição de uma Comissão para avaliação.
Assembleias públicas, informações na imprensa, compromisso dos governos em suas diferentes esferas, e investimento em verbas para demandas práticas do cotidiano, bem como acesso a atendimento médico, quando for o caso, são apenas algumas das ações. Mas que já fariam uma diferença significativa no convívio coletivo e na vida individual das pessoas que se percebem impedidas da plena participação na vida social, em função de barreiras linguísticas, físicas, pedagógicas e atitudinais.
Além dessas, os espaços reivindicativos são meios de exposição dos problemas a serem enfrentados com o objetivo de encontrar os caminhos para sanar os problemas. O sindicato, por exemplo, é um deles. Para Rafael Cruz, diretor da Sesunipampa e docente do curso de Gestão Ambiental, da Unipampa, no campus São Gabriel, há duas dimensões do problema: na dimensão da macropolítica e da micropolítica. Segundo Rafael, na macropolítica há uma inversão do lugar do ser humano devido aos interesses econômicos da própria estrutura do capitalismo, marginalizando determinados grupos sociais. Em suas palavras, “o capital não objetiva nenhum valor de uso, nenhum desfrute de um valor de uso qualquer dos seres humanos, só e somente a acumulação de dinheiro, que somente se viabiliza com a transformação do trabalho e, portanto, do trabalhador em uma mercadoria. Deste ponto de vista, qualquer pessoa que não possa vender a sua força de trabalho com a produtividade exigida pela acumulação do capital seria descartável, do ponto de vista do capital. Vivemos em um país capitalista, portanto esta lógica deve ser encontrada nas instituições também”. Para enfrentar essa realidade, Rafael acredita que o sindicato deve buscar os meios para viabilização da participação no sindicato de pessoas surdas e pessoas com deficiência.
Desde o 62º Conad, segundo informações do site do Andes - Sindicato Nacional, realizado em julho de 2017, o Sindicato Nacional deliberou um posicionamento mais efetivo no que diz respeito à luta pelos direitos das pessoas com deficiência e contra o capacitismo, que é a discriminação e o preconceito social contra pessoas com deficiência.
Assim como racismo, o machismo e a LGBTfobia e tantas outras formas de preconceito, a luta contra o capacitismo é pautada nos Congressos e reuniões do Sindicato Nacional. O ANDES-SN segue na luta contra a opressão e por políticas públicas que garantam condições necessárias para que pessoas com deficiência ocupem todos os espaços.
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