O final de ano é um período em que o espaço universitário se esvazia, com o recesso das atividades acadêmicas. Apesar disso, muitos estudantes continuam frequentando os Restaurantes Universitários (RUs). Os RUs são um pilar fundamental para a permanência de milhares de estudantes nas universidades federais brasileiras. Oferecendo refeições a preços subsidiados, esses espaços têm um impacto direto na vida acadêmica, especialmente para aqueles de menor renda. Contudo, apesar de sua importância, os RUs enfrentam desafios significativos, como escassez de recursos, superlotação e questões logísticas, bem como às pressões de interesses privados, que comprometem a qualidade e a eficiência dos serviços prestados.
Na Unipampa, como em diversas outras instituições federais, o RU se tornou um ponto de apoio essencial para a comunidade acadêmica. Camila Maria Longo Pleszczak, estudante do curso de geologia do campus Caçapava do Sul, afirma que “o Restaurante Universitário desempenha um papel fundamental na economia do estudante, especialmente considerando a realidade de muitos cursos que exigem dedicação integral. Para muitos, conciliar trabalho e estudo é um desafio, e é nesse contexto que a economia com alimentação se torna essencial para garantir a permanência na universidade. Pessoalmente, acredito que o RU deveria ser completamente gratuito para todos os alunos, independentemente de serem bolsistas ou não. Isso não apenas aliviaria os custos com alimentação, mas também ofereceria a conveniência de ter um local próximo e acessível para almoçar na faculdade.”
Camila acrescenta ainda que “Além disso, muitos estudantes, especialmente os que não são da cidade, permanecem durante os períodos de férias. Embora alguns retornem às suas casas, há uma parcela considerável de alunos que ficam na cidade e que são da cidade que dependem dos serviços da universidade para se alimentar. Esses estudantes devem ter o direito de continuar acessando o RU durante esse período. Durante as férias, as despesas aumentam — com o consumo de água, luz e lazer, por exemplo — e é muito difícil encontrar um emprego temporário na cidade que ofereça uma renda suficiente para cobrir as necessidades básicas dos estudantes. Nesse cenário, a continuidade do acesso ao Restaurante Universitário seria uma forma de amenizar os impactos financeiros dessa fase, permitindo que os alunos se mantenham no ritmo dos estudos sem comprometer sua saúde ou o orçamento familiar.”
A história dos Restaurantes Universitários está diretamente ligada ao movimento estudantil, que desempenhou um papel crucial na implementação dessa infraestrutura nas universidades brasileiras. A demanda por um espaço que garantisse alimentação subsidiada e de qualidade foi um dos pontos centrais de mobilização dos estudantes durante as décadas de 1960 e 1970. O movimento estudantil lutava não apenas por uma educação pública de qualidade, mas também por melhores condições de vida para os alunos, que, muitas vezes, precisavam se deslocar de cidades distantes e enfrentavam dificuldades financeiras.
Foi a partir dessas mobilizações que, em diversas universidades federais, os Restaurantes Universitários começaram a ser implementados, com o objetivo de garantir que os estudantes não fossem forçados a abandonar os estudos devido à falta de uma alimentação adequada e acessível. O RU não surgiu da gestão universitária, mas como uma conquista direta do movimento estudantil, que pressionou por uma estrutura que atendesse às necessidades alimentares e, ao mesmo tempo, promovesse a convivência e o fortalecimento da comunidade acadêmica.
Na Unipampa, a implementação do Restaurante Universitário seguiu o exemplo de outras universidades federais. A mobilização estudantil foi determinante para que a alimentação subsidiada fosse reconhecida como uma ferramenta fundamental para democratizar o acesso à educação superior, conquistando a construção dos restaurantes, tendo sua primeira unidade inaugurada em 2014. Nesse contexto, o RU não apenas serviu como um meio de garantir a subsistência dos estudantes, mas também contribuiu para a criação de um ambiente que favoreceu a convivência e o fortalecimento da comunidade acadêmica.
A atuação do Estado nesse campo, com a criação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) em 2010, formalizou um apoio sistemático aos alunos em diversas áreas essenciais para sua permanência no ensino superior, incluindo alimentação, moradia, transporte, saúde e inclusão digital. O PNAES foi concebido para promover as condições adequadas para que os estudantes possam concluir seus cursos de graduação em condições dignas, sem que as dificuldades financeiras sejam um impedimento.
O PNAES, instituído pela Portaria Normativa 39/2007 e regulamentado pelo Decreto nº 7.234/2010, surgiu como uma resposta mais estruturada a essa demanda por apoio. Ele foi concebido para garantir a permanência dos estudantes no ensino superior, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica, e buscou reduzir as desigualdades regionais e sociais no acesso e conclusão da educação superior. A assistência alimentar, através dos RUs, foi um dos pilares dessa política, permitindo que muitos alunos conseguissem permanecer nas universidades e concluir seus cursos sem a constante preocupação com a alimentação.
O Restaurante Universitário, um dos eixos do PNAES, tornou-se uma das formas mais visíveis de assistência estudantil nas universidades públicas. Contudo, sua gestão enfrenta desafios contínuos, principalmente no que se refere aos limitantes impostos pelo modelo de terceirização, que opõe a necessidade de redução de custos à manutenção da qualidade do serviço oferecido aos estudantes.
Em algumas universidades, como na Unipampa, o RU oferece refeições a preços simbólicos ou até subsidiadas, garantindo que estudantes em situação de vulnerabilidade não tenham que escolher entre a alimentação e a continuidade dos estudos. No entanto, o PNAES não especifica formas rígidas de implementação dessas ações, o que resulta em diferentes modelos e soluções, dependendo da realidade e dos recursos de cada instituição. Enquanto algumas IFES priorizam os RUs com subsídios diretos, outras oferecem recursos financeiros para que os estudantes possam se alimentar em restaurantes ou lanchonetes conveniadas.
A assistência estudantil, conforme estruturada pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), não se restringe apenas à alimentação, mas envolve uma rede de ações essenciais para garantir a permanência dos alunos nas universidades. O PNAES abrange áreas fundamentais como moradia estudantil, transporte, assistência à saúde e apoio pedagógico, com o intuito de oferecer um suporte completo que assegure que estudantes de baixa renda tenham condições adequadas para permanecer e concluir seus cursos superiores. Essa abordagem integrada busca combater as desigualdades e garantir um ambiente acadêmico mais igualitário, permitindo que mais jovens, independentemente de sua origem socioeconômica, possam acessar a educação superior.
Apesar dos avanços alcançados, nas últimas décadas, em boa parte das universidades, os RUs passaram a ser geridos por empresas terceirizadas, ficando submetidos à lógica privada, o que gera conflitos com o interesse público, que deve fundamentar a política de assistência estudantil.
Assim, embora não seja o único modelo disponível para a gestão dos RUs, também a Unipampa adotou, desde o início, o caminho da terceirização, sendo constantes problemas logísticos e administrativos, como a falta de pessoal qualificado e a gestão ineficiente dos recursos. Como apontado pela discente Camila, “a principal insegurança está no próprio contrato, que não parece ser cumprido de forma eficaz”. Ela questiona se a gestão atual realmente atende às obrigações do contrato e aponta falhas significativas, como a falta de fiscalização adequada e a insuficiente participação dos alunos nas demandas relacionadas ao RU. Para ela, alimentação não é apenas uma necessidade física, mas também um momento de prazer e sociabilidade, o que torna ainda mais grave a situação atual. Menciona ainda as condições precárias da infraestrutura do campus, com problemas como portas quebradas, infiltrações durante a chuva que colocam em risco tanto os alunos quanto os trabalhadores, bancos quebrados e uma higiene que deixa a desejar. Mesmo após reuniões sobre a qualidade do espaço e das refeições, nada mudou. Ela critica a terceirização da responsabilidade e a falta de respostas concretas da gestão, destacando que, muitas vezes, os alunos não conseguem influenciar de fato as melhorias necessárias, sendo obrigados a recorrer apenas aos canais institucionais, sem que suas demandas sejam atendidas.
Eduardo Chagas, chefe da Divisão de Gestão de Restaurantes Universitário da Unipampa, afirma que “Os Restaurantes Universitários são uma peça fundamental da política de assistência estudantil da Universidade. Através dele, diariamente, milhares de alunos, nas dez unidades da Unipampa, têm acesso a uma refeição completa e nutricionalmente equilibrada.” Ele reconhece que “não é exagero dizer que, hoje, o RU é uma das principais ferramentas para a permanência dos alunos em nossa universidade. Entendemos que, sim, o modelo atual contempla a maior parte das demandas alimentares dos estudantes, mas isso não significa que não possamos pensar em melhorias, tanto no cardápio quanto na estrutura física das unidades. Estamos trabalhando para aprimorar os processos de gestão e fiscalização dos contratos, a fim de que possamos ter serviços cada vez melhores.”
Eduardo complementa ainda que “O serviço executado no Restaurante Universitário é um dos mais complexos entre os contratos terceirizados dentro da Unipampa. Envolve aspectos alimentares, sanitários e trabalhistas. Qualquer rescisão contratual, seja no final, no início ou no meio do ano, gera problemas.” Segue, dizendo que “Todos os contratos foram renovados. Isso não significa que não haja problemas e que não estamos trabalhando para melhorar a execução dos serviços. Nossos Restaurantes Universitários, mais cedo ou mais tarde, precisarão passar por reformas e melhorias em suas estruturas e isso, sem dúvida alguma, pode contribuir para a melhora na qualidade dos serviços.”
Este é justamente um dos principais problemas do modelo de RU terceirizado: as contradições entre a demanda do serviço pelos usuários do serviço e a lógica das empresas - uma vez que há períodos de baixa procura pelas refeições, e que os contratos devem prever a prestação de serviço durante o ano inteiro – favorecem situações em que as renovações de contrato sejam vinculadas ao aumento dos preços das refeições, como forma de “compensar” as empresas pelos momentos de baixa nas vendas. Ou seja, a lógica privada condiciona a execução do direito que é público.
Isso tudo se torna ainda mais evidente agora, especialmente considerando a continuidade da assistência alimentar aos alunos durante os meses de janeiro e fevereiro. Diante desse contexto, os campi da universidade lançaram um formulário para levantamento de dados junto aos alunos beneficiários do Plano Permanência, com o objetivo de identificar as necessidades alimentares no período de férias. Esse levantamento é fundamental para ajustar a oferta de refeições conforme a demanda, garantindo que os estudantes não sejam prejudicados pela ausência de uma alimentação adequada durante esse período.
Recentemente, a Unipampa também anunciou um reajuste nos valores das refeições e a renovação dos contratos com as empresas responsáveis pela gestão dos RU’s no dia 15 de dezembro, no qual, foram atualizados os novos valores, que passaram a vigorar em algumas unidades a partir do dia 13 de dezembro. Para as unidades de Bagé, Itaqui, São Borja e Uruguaiana, os contratos foram renovados por 12 meses, enquanto os contratos de Caçapava do Sul, Jaguarão e São Gabriel foram prorrogados por seis meses. Além disso, a renovação dos contratos trouxe aumento nos valores das refeições, que variam de acordo com cada unidade. O valor das refeições passou a ser de R$23,18 em Bagé, R$21,23 em Caçapava do Sul, Jaguarão e São Gabriel, e R$22,94 em Itaqui, com início da vigência dos novos valores no mês de dezembro. Esse aumento exemplifica a lógica privada acima descrita, evidenciando os condicionantes para a renovação dos contratos.
A Unipampa inaugurou no dia 11 de março de 2024, o 10º Restaurante Universitário (RU), localizado no Campus Santana do Livramento. No dia 18 de março, o espaço foi aberto oficialmente à comunidade acadêmica, oferecendo alimentação subsidiada para estudantes.
Giuseppe Betino De Toni, Secretário-Geral da Sesunipampa afirma que “Como docente e membro da diretoria da Sesunipampa, é frustrante constatar a repetição de problemas sem que a instituição aprenda com as falhas do passado. No final de 2022, os Restaurantes Universitários foram temporariamente fechados devido à finalização dos contratos, em um cenário ainda mais crítico pela falta de pagamento dos auxílios estudantis. Esse conjunto de fatores gerou uma grande crise, especialmente no fim do semestre, quando muitos estudantes estavam em situação de extrema dificuldade. Naquele momento, a Sesunipampa teve que distribuir cestas básicas entre os alunos de diversos campi para mitigar os impactos da situação.”
Ressalta ainda que “Dois anos depois, voltamos a enfrentar a mesma situação, com contratos se encerrando no fim do ano, o que novamente compromete a continuidade dos serviços essenciais. A redução no número de estudantes e o crescente número de relatos sobre a precariedade dos serviços dos Restaurantes Universitários em vários campi, como observamos durante o 16º SIEPE, são reflexos de uma gestão que não aprendeu com os erros anteriores. O fechamento do RU, que estava previsto para 8 de dezembro, acabou sendo prorrogado até o final do semestre, mas a falta de planejamento e a incapacidade de antecipar esses problemas são inaceitáveis. É incompreensível que a administração da universidade não tome medidas proativas para evitar a interrupção dos serviços, especialmente em um período tão crítico, como o final do semestre. A possibilidade de paralisação dos serviços do RU nesse momento, mais uma vez, demonstra a falta de um planejamento adequado e a negligência em relação à importância desses serviços para a permanência dos alunos. A universidade precisa aprender com os erros do passado e garantir que situações como essa não se repitam, com a devida antecipação e organização nos contratos e na gestão dos Restaurantes Universitários.”
Giuseppe finaliza dizendo que “o sindicato, enquanto instrumento de luta da nossa categoria, tem se empenhado em mobilizar debates dentro da comunidade acadêmica e exercer pressão sobre a administração da universidade para que medidas efetivas sejam tomadas. Além disso, tem atuado no apoio constante aos estudantes, especialmente nos momentos de maior crise, como ocorreu no final do semestre de 2022, quando foi necessário distribuir cestas básicas devido ao fechamento temporário dos Restaurantes Universitários. Em situações como essa, o sindicato se coloca como um aliado fundamental para minimizar os impactos sobre a categoria discente e garantir que seus direitos sejam preservados. O sindicato defende que a universidade deve priorizar o funcionamento dos RUs como parte fundamental da assistência estudantil, garantindo a alimentação para os estudantes, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, sem comprometer sua permanência no ensino superior.”
Para que esses espaços atendam de maneira eficiente a todos os alunos, é necessário que o governo e as universidades se comprometam a ampliar os recursos destinados aos RUs, a investir em infraestrutura e a buscar soluções estruturadas para a gestão desses espaços. É fundamental que o atual modelo adotado pela universidade seja repensado, uma vez que submete a política de assistência estudantil à mercê das pressões das empresas que prestam o serviço à comunidade. Outras formas de gestão resistem em diferentes IFEs, expressando alternativas para que seja garantido o direito à alimentação, tanto de estudantes quanto de toda a comunidade universitária.
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